Entrevista com o ator João André
«Há sempre noodles a 1,50€, põe-se água e um gajo fica cheio»

Entrevista

João André ficou conhecido na série Morangos com Açúcar. Mas, com o fim do projecto da TVI, o ator ficou sem trabalho. Viveu, por isso, várias dificuldades – chegou a ter 2 euros no banco – mas também peripécias. Chegou a entregar Pizzas, até que alcançou de novo o estrelato com uma série sobre a sua vida… Leia aqui a entrevista na íntegra

Dom, 16/06/2019 - 17:30

João André, de 32 anos, tem estado nas bocas do mundo desde que o documentário O Resto da Tua Vida, da autoria do humorista Carlos Coutinho Vilhena, foi para o ar, no início de abril.

O site da VIP esteve à conversa com o ator, que ficou conhecido na série Morangos com Açúcar mas que, com o fim do projecto da TVI, ficou sem trabalho. Viveu, por isso, várias dificuldades, mas também peripécias. Chegou a entregar Pizzas, até que alcançou de novo o estrelato com esta série sobre a sua vida…

VIP – Como foi parar aos Morangos com Açúcar, em 2005?

João André- Eu fazia teatro desde o meu 9ºano. Fiz teatro amador antes de entrar nos Morangos e foi aí que uma pessoa me viu, quase como se fosse um «olheiro de futebol»… não fui eu que me inscrevi. Na altura, fiz um casting para a novela Ninguém Como Tu, da TVI, e passado cinco meses ligaram-me a dizer que tinha ficado para uma série. Na altura, estava a trabalhar para o meu tio, era fim da escola, no verão, e disse-lhe «amanhã já não venho». Naquela altura nem via a série.

Como tem sido o seu percurso de vida desde o final da série? Foi aí que se tornou conhecido dos portugueses, como o eterno Kiko dos grafitis…

Tem sido um percurso muito enriquecedor. Fiz a Escola Superior de Teatro e Cinema em 2008, licenciei-me em literatura dramática (Teatro), já depois de terminar a série. Depois estive um ano a fazer alguns workshops. Seguidamente, tive vários tipos de trabalho: desde restauração, em hotéis de cinco estrelas porque a probabilidade de me deparar com portugueses era muito menor; call center, vários; lojas de roupa; empresas de trabalhos temporários, toda a indústria farmacêutica portuguesa; tirar fotocópias; fui estafeta; trabalhei em arquivo; fiz inserção de dados e tabelas de excel… fiz de tudo! Ainda cheguei a concorrer para ir para a Uber. Depois disso estive a entregar pizzas durante oito meses. Na altura, a parte boa é que me disseram que não tinha de tirar o capacete.

«Se tivesse tido uma relação polémica na altura, tenho a certeza que tinha tido trabalho»

Como foram esses anos? Difíceis?

Se eu tivesse acabado os Morangos e tivesse tido logo um convite muito provavelmente não teria estudado. Se eu tivesse trabalho, ia parar de trabalhar para ir estudar? É complicado. Se eu tivesse tido uma relação polémica na altura, tenho a certeza que eu tinha tido trabalho.

Passou por dificuldades?

Sim, claro, passei. Os meus pais ainda hoje se chateiam comigo e ficam magoados. Eu depois de ter feito os Morangos, comecei a trabalhar e nunca me senti bem em pedir, do género, «pai, mãe, falta-me dinheiro para o almoço»… mas aconteceu mais do que uma vez. Não foi uma nem duas vezes que eu tive dois euros na conta! Pensava «deixa-os estar…». É difícil. Os meus pais são pais galinha e não querem que me falte nada. Venho de uma família de classe média, mas na altura também fomos alvo da crise económica. O meu pai sofreu um despedimento coletivo de mais de 100 colaboradores. Eu pensava: «então os meus pais não têm dinheiro para eles… Eu é que tenho 20 a e tal anos, eu é que tenho que os ajudar a eles e não ao contrário.» Claro que há sempre uns noodles, custam 1,50€, põe-se água a ferver e um gajo fica cheio.

Quando já não dá para a renda e para as despesas então aí… Eu pagava uma renda baixíssima em Carnaxide, claro que entretanto o meu senhorio me disse: «gosto muito do João mas a casa vale 700€ e eu estou a arrendar por 300€.» Um T3 com três casas de banho, eu percebo, claro. Voltei para casa dos meus pais em lágrimas. Foi mesmo, a chorar baba e ranho e a pedir-lhes desculpa. E os meus pais a chorarem de volta e a dizerem: «não peças desculpa, já devias era estar cá há mais tempo». É uma situação muito complicada. Mas depois, se nos distanciarmos da situação, o que teria sido a minha vida só com facilitismos? Era um parvo que não sabia o que é que era a vida. É bom. Adoro a felicidade, mas para saber o que são momentos de felicidade tenho de saber o que são os de infelicidade.

«É possível viver só do teatro, isso é. Nós é que ainda não conseguimos viver só disso»

Como está a vida profissional agora?

Neste momento estou a dar aulas. E não estou a dar AECS (Atividades de Enriquecimento Curricular), que é a maior tanga que existe para professores de educação física, de música, de teatro e de inglês. É um absurdo. Até dezembro estive a fazer isso, recebia 150 euros por mês a recibos verdes com retenção na fonte. É pago à hora. Estou a part-time, tenho horário letivo. Fui em substituição de uma amiga. Comecei em janeiro, saí das pizzas, onde estava há oito meses, quando me confirmaram as aulas na instituição. Dou aulas ao primeiro ciclo. Sempre adorei ensinar.

Conseguem viver só do teatro?

Só do teatro não. A minha namorada está a conseguir viver só do teatro. Está a trabalha no TIL (Teatro Infantil de Lisboa), não sei como é que vai ser para o ano, nunca sabemos, isto é uma coisa que já nos vamos habituando. É possível viver só do teatro, isso é. Nós é que ainda não conseguimos viver só disso, é a diferença. A Bruta (Companhia de Teatro de João André) só existe há dois anos e já contamos com sete produções.

Mas acho que existe uma falha na educação teatral portuguesa, as pessoas não se sabem comportar numa sala de espetáculos. Se a educação tem de ser gratuita da mesma forma que a saúde, acho que a cultura deveria estar equivalente à educação. Acho que são exatamente a mesma coisa, estão no mesmo patamar. A cultura educa, e a educação dá cultura. Para mim é exatamente a mesma coisa.

«Acho que o contraste dele comigo funcionou muito bem»

E o Carlos Coutinho Vilhena, autor dos documentários, como é que aparece na sua vida?

Eu não sabia que ele tinha aquilo filmado (a parte em que entrega pizzas à porta de casa dele)! Eu já seguia o trabalho Carlos. Quando fui a casa dele entregar a pizza houve aquela reciprocidade de «eu conheço-te e sei que também me estás a reconhecer a mim.» Sobre o documentário, o Carlos quer fazer uma coisa muito bem feita, que seja intemporal. 

Neste projeto estou a dar a cara por uma classe, mas a quantidade astronómica de pessoas que são figuras muito mais mediáticas do que eu que me mandaram mensagens a dizer «haja alguém com a coragem necessária para falar sobre isto.» Estamos a falar desde equipas técnicas, a atores de novelas, que não falavam comigo há anos. Isto dá muito que pensar.

O que é que mudou desde que este documentário foi para o ar?

Nada. Tenho dado entrevistas. A melhor coisa que está a acontecer é que as pessoas agora dizem-me: Tu és o João André. Se alguém me chamar de Kiko na rua vem uma legião de pessoas dar na cara dessa pessoa a dizer «Ele não é o Kiko, é o João André», isso é ótimo.

Estou tão tranquilo. Nada de mau pode acontecer. Isto poderá ser bom até para a minha Companhia de teatro. Ainda não fiz um espetáculo desde que isto foi para o ar, mas provavelmente vai ter mais gente. Espero que sim. Passar de 2 mil seguidores para 50 mil em poucos dias. E o que eu cresci o Carlos também cresceu.

Acho que o contraste dele [Carlos Coutinho] comigo funcionou ali muito bem. Aquele ar dele de «não dou cavaco a ninguém». A partir do momento em que ele é apresentado como humorista, ele está sempre protegido. Quando o primeiro episódio saiu eu pensei que estava um bocadinho totó, mas não há limites para o humor. Nunca me senti gozado, isso é levar-me demasiado a sério. 

No final de tudo, qual é o seu maior sonho de vida?

A primeira coisa é ser feliz. O que eu gostava mesmo era de poder estar a fazer o meu teatro, televisão. Se eu tiver de dizer confesso que preferia fazer uma série. As séries em Portugal têm uma qualidade superior às novelas. Mas se me oferecessem trabalho para fazer uma novela faria com muito gosto. Porque não deixa de ser um bom trabalho, não deixa de ser uma coisa que quando eu fiz me deu prazer e porque não deixa de ser uma coisa que põe comida na mesa. Isso é fundamental.

Texto: Joana Dantas Rebelo; Fotos: Marco Fonseca; Produção: Elisabete Guerreiro; Agradecimentos: Hotel Solar Palmeiras e Springfield

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