Luís Represas
“O Trovante foi o meu berço”

Nacional

Artista regressou com um álbum acústico e intimista. Conheça este novo trabalho em conversa com o cantor e compositor que também fala à VIP da família que construiu

Sáb, 11/07/2015 - 17:00

Vozes, guitarras, piano e contrabaixo, a juntar a convidados de peso. É este o resumo de Tratamento Acústico, o novo trabalho de Luís Represas, um duplo CD e um DVD, ao vivo, que revela as canções de sempre em versões mais intimistas e reproduzem sem truncagens o que se passou em 2014 nos concertos realizados no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

VIP – O que é para si este Tratamento Acústico, agora chegado às lojas?
Com este disco quis fazer uma coisa totalmente diferente do habitual. Disco novo, concerto novo, obviamente também com algumas canções antigas, incontornáveis, outras recuperadas que há muito tempo não tocava e todas elas a serem sujeitas a um tratamento acústico, acompanhadas por piano, contrabaixo acústico, as minhas guitarras, obviamente, e um coro de quatro vozes. Eu próprio me surpreendi, e os músicos também, em relação à forma como as canções reagiram a isto e tomaram uma nova vida. Abriu-se um leque muito maior de opção interpretativa, um alargar da malha da rede em que o ar passa muito mais, as palavras ganham uma outra dimensão e nós respondemos muito mais uns aos outros.

O álbum duplo e o DVD retratam bem a atmosfera sentida no Grande Auditório do CCB há quase um ano atrás?
Sim, é um DVD que retrata fielmente. Gosto de mostrar tudo o que se passou no concerto. Por vezes perguntam-me “mas porque é que não cortas falas?”.  Não quero cortar nada! Quero que as pessoas levem para casa o concerto tal como ele foi, depois veem os bocadinhos que quiserem, mas não gosto de truncar nada. Penso que se percebe bem uma coisa que a mim me fascina quando estou em cima do palco, que é ouvir o silêncio das pessoas. Claro que também gosto que cantem e que interajam, mas gosto de ouvir o silêncio, saber que as pessoas estão totalmente disponíveis e atentas àquilo que se está a passar.

Dois convidados de peso, o Stewart Sukuma (moçambicano) e o fadista Ricardo Ribeiro: porquê esta escolha dos convidados? Para muitos espetadores foi uma grande surpresa…
Precisamente, talvez por não serem muito óbvios. Já toquei muito com o Stewart Sukuma, em Moçambique e cá. Temos muitas coisas em comum musicalmente e queria muito trazê-lo. Isso não é um favor que fazemos a nós próprios, é um favor que fazemos à música e, neste caso, à lusófona. É importantíssimo trazer outros músicos às pessoas e dizer-lhes “está aqui alguém que vocês têm de conhecer”. No caso do Ricardo Ribeiro, quis que houvesse uma grande diversidade… Nós falamos todos pelo mesmo dicionário, de “musiquês”, mas embora pisássemos terrenos aparentemente diferentes estes são muito coincidentes e a prova está no resultado. Sinto o Ricardo Ribeiro como uma alma antiga, ele tem uma personalidade fortíssima na sua interpretação. Nunca tinha cantado com ele em palco, apenas em festas de amigos, e sempre o quis trazer para cima do palco e sentir a sua energia.

Tem um público fiel, os espetáculos de norte a sul do país estão sempre esgotados. Este é um público que se renova permanentemente?
Depende muito dos sítios onde se vai tocar. Essa renovação curiosamente acontece porque há uma enorme comunicação intergeracional e familiar, ou seja, as coisas passam de pais para filhos e vice-versa. E há alguma curiosidade. Para mim, há uma coisa fundamental: sim, é importante renovar, mas é preciso ter muita atenção em não perder a identidade. Muitas vezes, pode entrar-se na tentação de mentir às gerações muito mais novas. É um perfeito disparate porque as coisas não funcionam assim. Elas acabam por crescer sempre um pouco mais e pela nossa própria coerência acabam, se o gosto for esse, por vir ter connosco.

Celebraram-se 41 anos sobre o 25 de Abril de 1974. Como teria sido a sua carreira e o seu percurso musical se não tivesse havido esta revolução?
Tenho impressão que não teria havido nada. Seria hoje um médico e acho que não seria mau médico. Pouco antes do 25 de Abril eu e um grupo de amigos fomos à televisão, a uma espécie de programa de novos talentos da altura, e o Melo Pereira, que era o grande produtor da televisão, dos festivais da canção, voltou-se para mim e disse-me: “É pá, tu é melhor é estudares e tirares um curso, porque não tens nenhum jeitinho para isto!”. O que é certo é que, antes dessa data, para os Melos Pereiras e afins, que mandavam no status quo do meio artístico, com certeza eu não faria lá nada.

Ao fim deste tempo todo, o que é para si o Trovante?
Para mim é inegável a importância que teve, porque o Trovante foi a minha escola, foi o meu berço, foi a minha formação enquanto músico, enquanto cidadão. A partir dos meus 19 anos e até ao fim do Trovante, quando os nossos amigos todos andavam a namorar (nós também namorávamos, obviamente…) ou nas suas vidas académicas, nós vivíamos para o Trovante. A nossa vida era completamente dirigida para ali e formámo-nos uns aos outros, inevitavelmente. Olhando para trás, o Trovante significa fundamentalmente que fiz e tenho a felicidade de fazer aquilo que quero, como quero, com quem quero e onde quero.

Costuma ser muito reservado na sua vida pessoal. Após 15 anos de casamento separou-se da Margarida Correia no ano passado, sem grandes alaridos e, aparentemente, mantendo a amizade entre os dois…
Fundamentalmente, há uma coisa a ter em conta que é o equilíbrio dos filhos e os filhos não são só os que temos em comum, mas os quatro irmãos. Prezo muito e privilegio imenso essa relação entre eles. Eles não são os quatro meus filhos, mas são os quatro irmãos. O termo meio-irmão é qualquer coisa que não consta do meu dicionário. E eles, como irmãos, amam-se e é isso que quero privilegiar. Não se pode privilegiar isso se houver uma atitude de desequilíbrio que faça com que as crianças sejam armas de arremesso ou rails de proteção das estradas onde os nossos carros vão bater. O que entendo, antes de mais nada, é que esse privilégio da relação entre os quatro irmãos é totalmente da minha responsabilidade e das mães. O mais importante é que eles são irmãos em pleno.

Quem é que ocupa o seu coração neste momento?
Sou um apaixonado por excelência, a minha paixão pela vida é qualquer coisa que me preenche totalmente e essa paixão pela vida e a paixão que tenho pelos meus filhos, pelos meus amigos e pela música que faço, pelas pessoas que vão passando pela minha vida, faz com que tenha o coração sempre preenchido. E isso para mim é que é importante, é fundamental. 

Texto: Luís Peniche; Fotos: José Manuel Marques

 

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