José Da Câmara
“O Fado não se impõe. Ou se gosta ou não!”

Famosos

O fadista está de regresso aos álbuns
de originais

Qui, 13/11/2014 - 0:00

O novo disco de José da Câmara, Até Sempre Sr. Fado, foi gravado ao primeiro take, sem artifícios ou efeitos de estúdio, num ambiente místico, o Palácio de Pintéus, em Loures, propriedade do também fadista e seu amigo João Ferreira-Rosa. Marca também o regresso do artista aos fados tradicionais, com novos poemas a florear velhos clássicos. A única exceção é o single de apresentação do álbum, Salada de Portugal, com letra original do próprio José da Câmara, um tema alegre, com um refrão fácil e que fica no ouvido, inspirado nos fados-canção de Rodrigo ou Carlos do Carmo. A edição deste disco surge numa fase de consolidação da carreira do fadista e também de harmonia familiar e profissional.

VIP – Após quase três décadas de carreira musical, volta a gravar um disco com reportório próprio e pessoal…
José da Câmara –
Tenho vários discos em nome próprio. Este é o quinto com originais meus. O último foi um disco com versões do Roberto Carlos, mas esse foi uma coisa pontual. Eu sou fadista, gosto de cantar o fado. Foi um disco que me apeteceu fazer, naquela altura, com músicas da minha infância e juventude, de um cantor de quem muito gosto, com os meus instrumentos de eleição (viola e baixo). Mas o que eu realmente gosto de fazer é cantar o fado. Foi apenas uma pequena interrupção no meu percurso. Neste álbum agora editado, Até Sempre Sr. Fado, quis gravar apenas fados tradicionais, com letras originais, e quis ir buscar poemas de grandes poetas contemporâneos (a quem pedi a autorização), que me ajudassem a abrilhantar o disco. Foi o que aconteceu com vários poetas. O principal é o Daniel Gouveia, o meu maior parceiro, para além de Mário Rainho, Norberto Barroca, José Luís Gordo, Ana Vidal, Mário Estorninho, Rui Rocha, Amadeu Dinis da Fonseca e eu próprio. Este álbum é o resultado de três anos de amadurecimento e a minha ideia inicial era fazer fados tradicionais com letras originais; depois, decidi que não, que queria cantar algo de original e fiz o tema de abertura, que é o Salada de Portugal, que fala das nossas províncias, das nossas comidas e bebidas e das nossas gentes, e tem um refrão fácil, para as pessoas cantarem.

Na sua discografia oficial já constam dez álbuns (onze, contando agora com este…), com grandes nomes do fado e, inevitavelmente, alguns que fazem parte da sua família. Como convive com esta herança colossal, fazendo parte da família que, provavelmente, mais peso tem na tradição do fado?
Claro que o meu pai (Vicente da Câmara) é sempre o meu pai! Tenho uma admiração enorme por ele, em todos os aspetos: como homem, como marido, como pai, como ser humano e como fadista. Agora, se é certo que é muito bom ser filho de quem sou, por outro lado, é mais complicado ser “o filho de…”. Hei de conviver sempre com isto, mas sem deixar de tentar trilhar o meu caminho. E acho que o tenho conseguido…

Em tempos de crise, Salada de Portugal refere o que de melhor tem o nosso País. Como encara a crise atual que o País vive?
A crise é… como nós próprios: quanto mais nos mandamos abaixo, mais nos sentimos incapazes. É um ciclo vicioso. Obviamente, esta foi apenas mais uma das crises por que Portugal passou. Com este fado, eu quero espelhar o que acho de Portugal: que é um país fantástico, dos mais fantásticos do mundo. Embora algumas pessoas que passam por Portugal não interessem nem ao Menino Jesus! Mas é uma percentagem mínima.

Como é a sua vida familiar? É casado com a Joana há 18 anos e têm três filhos [José do Carmo, com 15 anos, Vasco, com 13, e Maria Domingas, com 12]. Como tem decorrido o casamento? Ao fim destes anos, mantém-se a paixão?
Os casamentos são uma prova de fundo, são maratonas, não são uma coisa de ânimo leve. Portanto, tem de se ter muita paciência, tem de haver muita cedência de parte a parte. Isto de viver em conjunto não é fácil. É sempre mais fácil viver sozinho, mas não teria a mesma graça!

E os filhos?…
São a melhor coisa que eu podia ter na vida. Ainda não sei que área vão seguir. O mais velho está agora no 10.º ano e começa a pensar nisso. Mas o que eu quero é que eles escolham áreas em que, acima de tudo, sejam felizes. Porque não vale a pena trabalharem toda a vida numa coisa de que não gostam. Não tenho nada a cultura do “doutor”, uma cultura que se instituiu em Portugal, uma “cagança” que não faz sentido nenhum. Todos são doutores e depois não têm cultura geral nenhuma. Gostava muito que os meus filhos tivessem um trabalho de que gostassem, fosse como eletricistas ou como advogados. Mas gostava que fossem, acima de tudo, pessoas interessadas e cultas. Que gostassem de aprender, porque isso não se aprende nos cursos. Em casa, achamos a conversação fundamental, especialmente nesta época, em que os miúdos, com os computadores, estão permanentemente enfiados no quarto, sem falarem com mais ninguém. Eu impus, porque foi sempre assim na casa dos meus pais, a regra de que, ao jantar não há telemóveis, não há televisão, não há nada; há conversa. E, à mesa, contam-se histórias, discute-se, rimo-nos… Já que esta vida é tão stressante, com as aulas e o trabalho, pelo menos que estejamos juntos ao jantar, a conversar e em família. Isso é muito importante porque, assim, vamos falando uns com os outros.

Algum dos seus filhos tem aptidão para seguir uma carreira no fado? Ou noutro estilo de música?
Gostam os três de cantar. O mais velho ainda foi para o Conservatório e esteve lá três anos a estudar guitarra portuguesa, mas eu disse- -lhe sempre: “quando não quiseres mais, sais; não é nenhuma imposição”. O que acabou por acontecer… Se me perguntar se eu gostava que um dos meus filhos tocasse bem guitarra portuguesa, digo-lhe que adorava. Mas essas coisas têm de ser eles a escolher e eu não imponho nada. Se eles sentirem necessidade de cantar o fado, cantarão. O fado não se impõe: ou se gosta ou não! Ou se vive ou não. Eu sei que eles ouvem os meus discos, que, às vezes, cantam alguns dos fados, mas tudo na brincadeira. Precisam de experiência e de estudar. Ainda por cima, hoje em dia, não dá para viver do fado… Não imponho nada, quero que eles sigam as vidas que escolherem. Obviamente, vou-lhes dando umas luzes. Mas o que é importante é que eles gostem de música, e gostam. Que ouçam música, e ouvem. Agora, se vão cantar ou não, é com eles…

Texto: Luís Peniche; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Manuel Medeiro;
Maquilhagem e cabelos: Vanda Pimentel, com produtos Maybeline e L'Oréal Professionnel

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