Conceição Queiroz
Lança o primeiro romance e estreia-se no cinema

Famosos

“Não perco o entusiasmo”

Sex, 23/01/2015 - 0:00

É jornalista há 20 anos, mas só agora decidiu aventurar-se na ficção. Conceição Queiroz destacou-se frequentemente na grande reportagem, com trabalhos de investigação em terrenos pouco explorados, sendo premiada em várias ocasiões. A jornalista da TVI lançou o seu primeiro romance, A Última História de Amor, baseado num episódio da sua infância, passada em Moçambique. À VIP faz uma retrospetiva da carreira, assente na paixão pela informação. 
 
VIP – Como surgiu este romance? 
Conceição Queiroz – Surge de um desafio interessante sugerido pelos coordenadores editoriais, ao perceberem que tenho em mim este cruzamento enorme de culturas, entre África, Portugal, 
Alemanha, Inglaterra, Índia…
 
É a sua primeira incursão na ficção. É algo que queria concretizar há algum tempo? 
Fugi sempre da ficção, mas os convites para escrever um romance existiam há anos, e de várias editoras. Resisti… até começar e perceber que, além da responsabilidade, a ficção podia também representar uma autêntica viagem, distinta de tudo o que conhecia. 
 
Acredita nas histórias de amor? É uma romântica? 
Acredito, pois. Os meus pais casaram três meses depois de se terem conhecido e foi até que a morte os separasse. No meu caso, essas referências são importantes. Criei uma visão romântica da vida e do próprio amor.
 
Tem uma família intensa? 
Claro, como se vê pela relação dos meus pais. Tenho a sorte de pertencer a uma família numerosa, com laços fortes. 
 
Como recorda a juventude em Moçambique? Ainda “sente” África em si? 
É impossível não sentir África. Recordo a vida ao ar livre. Era a verdadeira maria-rapaz: jogava ao berlinde, era guarda-redes, gostava de basquete, vestia um fato de marinheiro que os meus pais trouxeram da ex-União Soviética, andava num barco a motor em alta velocidade com o meu pai. Lembro-me do Natal debaixo de 40 graus, muito sol, entre cabrito, marisco e a Missa do Galo à meia-noite.
 
Veio de lá com 12 anos. A integração foi fácil? 
A integração nunca foi um problema. A língua é a mesma e adaptei-me sempre bem a todas as situações. Só não me habituo a este inverno exagerado!
 
Quando soube que queria ser jornalista? 
Passou a ser uma escolha depois de ter sido motivada por uma professora do liceu e ter experimentado. Além da televisão, passei pela rádio e pela Imprensa escrita. A linguagem e o ritmo são diferentes, por isso foi bom ter feito este caminho, por todos os meios.
 
Foi um percurso fácil? 
No jornalismo, estou constantemente a ser posta à prova. O trabalho é escrutinado, não há como fugir. Aprendi a defender o meu trabalho, a lutar por mim e contra as várias formas de injustiça. Não me calo e sei como isso pode ser prejudicial. Mas seria contra a minha natureza agir passivamente nas situações em que nos puxam o tapete.
 
Iniciou a sua carreira há 20 anos. O jornalismo mudou muito nas últimas décadas?  
Claro que mudou. O Mundo também mudou. Vivemos numa era em que somos obrigados a estar em todas as frentes. A vida faz-nos perceber que não pode ser de outra maneira.
 
É uma profissão de risco. Já sentiu medo? 
O jornalismo é uma profissão de risco. Os violadores do direito à liberdade de expressão existem desde sempre, infelizmente. E são uma ameaça real. A verdade continua a ser incómoda para muitos e isso incompatibiliza-se com o dia-a-dia da informação. O massacre na redação do Charlie Hebdo, em Paris, ultrapassou tudo.
 
Os seus pais gostavam que tirasse um curso na área da saúde e acabou por fazer muitos trabalhos relacionados com a saúde. É por causa disso?
A família acreditava que podia seguir Medicina. Estive na área de Saúde até ao 11.º ano, depois mudei para Humanísticas no 12.º. Licenciei-me em Sociologia e ainda fui tirar uma segunda licenciatura, em Política Social. Acabei por enveredar pelo jornalismo, primeiro na rádio da faculdade. O gosto pelas reportagens sobre saúde também vem daí, mas não só. A minha mãe tinha o curso de Enfermagem e morreu vítima de erro médico. Foi talvez a partir daí que, na grande reportagem, me entreguei vivamente a estes temas. 
 
Passou vários anos a fazer grande reportagem. A investigação é o que lhe dá mais gozo? 
Sem dúvida. No meu entendimento, ser jornalista é saber descodificar. Os trabalhos de fundo permitem criar momentos de reflexão em televisão, embora o trabalho de construção da reportagem não seja fácil. Há um grau de dificuldade que as pessoas desconhecem, mas há disponibilidade, há entrega, há uma relação apaixonante quando se agarra o jornalismo, quando se percebe o significado da profissão. Será sempre um privilégio ver e ouvir em primeira mão.
 
Teve vários trabalhos premiados e dois deles, Serviço de Urgência e Os Meninos da Jamba, transformaram-se em livros. Porquê estes dois, foram os mais marcantes?  
É curioso como os prémios dão visibilidade às reportagens, e algumas o público não esquece. Dou o meu melhor e nunca sei como é que os espectadores vão reagir. Só mesmo um prémio para valorizar o trabalho por trás da câmara. Orgulho-me dos prémios exatamente por serem o resultado de muito trabalho. Os Meninos da Jamba e o Serviço de Urgência transformaram-se em livros a convite da editora, logo a seguir à emissão dos trabalhos.
 
Os Meninos da Jamba acabou por dar lugar a uma onda de solidariedade. Vive estas causas intensamente? 
Vivo tudo intensamente. Depois de verem uma reportagem que mostra crianças doentes e esfomeadas, as pessoas pensam no que podem fazer. Juntei toneladas de alimentos, medicamentos, roupa, sapatos, material escolar, brinquedos e uma ambulância. Não ia virar as costas a esta iniciativa dos portugueses, dizendo que não sou assistente social, pois não? Seria mais fácil, mas decidi avançar, pois tive medo que mais ninguém o fizesse. Uma ONG chegou mesmo a virar as costas aos donativos. Foi desumano.
 
Como foi, por exemplo, estar no campo de refugiados no Quénia? Deixa marcas? 
É um dos maiores campos de refugiados do Mundo, provisório há quase 25 anos. O Quénia tem cerca de 38 milhões de habitantes e é um país com indicadores interessantes, mas a pobreza está em todo o lado. Sente-se mais quando saímos do centro de Nairobi, a capital. Voltei lá três vezes. A cultura urbana contrasta com a decadência. No campo de refugiados, as dificuldades são sentidas a todos os níveis. Vive-se da boa vontade das Nações Unidas.
 
Nunca despe a pele de jornalista?
A proximidade nunca prejudicou o meu trabalho jornalístico. Há quem esqueça que a grande reportagem quase obriga a permanecer perto das pessoas durante longos períodos. Ao longo destes 20 anos de jornalismo, fiz amigos para o resto da vida. Sigo as suas vidas e eles também me acompanham.
 
Como concilia este dia-a-dia com a vida pessoal, o seu namorado e também com os estudos, já que nunca deixou os bancos de escola?  
Gosto de estudar. E também gosto demasiado dos que fazem parte da minha vida privada. Organizo-me e não há desculpas. Trabalho como repórter, escrevo livros, escrevo guiões para cinema e vou para a faculdade.
 
O que a fez decidir tirar o doutoramento em Estudos Portugueses? 
O facto de a especialização ser em Literatura Portuguesa. Precisava de ouvir falar mais sobre esta temática e de outro modo. Terminei o mestrado em História e concorri ao doutoramento. Já frequento o segundo ano.
 
Sei que tem em preparação uma curta-metragem. Em que consiste? 
Quando fui afastada da grande reportagem, passei a ter algum tempo livre e comecei a concretizar ideias que não avançavam também por causa da minha falta de tempo. Escrevi o primeiro guião e mostrei-o a um realizador. Depois avançámos, num mundo novo para mim. Tratei da produção e até do casting. É sobre a relação entre uma criança de dez anos que toca saxofone e um idoso que tem um cancro terminal. Eles ficam ligados pela música e o miúdo acredita que pode curá-lo através da música. Estou a negociar para conseguir que seja exibido em sala. 
 
Precisa de experimentar novos desafios?
Preciso. E isso não é um problema. 
 
Esteve de baixa nove meses no ano passado. Como foi o regresso?
Agora, faço informação diária. 
 
A Manuela Moura Guedes é uma amiga muito próxima da Conceição. Isso jogou contra si, com a chegada da nova direção? 
Não faço ideia, mas a Manuela é e foi sempre minha amiga, muito presente e muito preocupada. 
 
Viveu uma depressão? 
Não vou falar sobre isto. O importante é que estou bem agora.
 
Como imagina o seu futuro na TVI? 
Ano novo, vida nova… foi o que disse alguém há dias, na redação. Sinceramente? Tenho fé.
E o seu futuro, de um modo geral?
Não faço grandes planos. Deixei de projetar. Mas, mesmo assim, as coisas boas continuam a acontecer. Para a idade que tenho, já realizei várias coisas que não me tinham sequer passado pela cabeça. Não perco o entusiasmo. 
 
Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: José Manuel Marques; Produção: Nucha; Cabelo e maquilhagem: Ana Coelho com Produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel

Siga a Revista VIP no Instagram