Justa Nobre
“O menino Jesus era sempre pobrezinho”

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A chef relembra os Natais passados, enquanto prepara a próxima consoada com os netos

Ter, 22/12/2015 - 17:10

Mónica, Gabriel e Mariana, com dez, sete e cinco anos, são quem faz brilhar a “menina” dos seus olhos. Para eles, fruto da relação do seu filho Filipe com Tatiana, Justa Nobre até renova o menu da consoada, semeando-o de queques e cakepops, ao lado dos tradicionais pratos transmontanos, receitas passadas de mães para filhas em Vale de Prados, a aldeia perto de Macedo de Cavaleiros de onde a mais conhecida chef da capital haveria de sair há mais de 30 anos. A consoada é agora passada, habitualmente, na sua casa, onde chega a juntar 25 familiares; descubra o que está a ser preparado para este ano…

 

VIP – Qual a relação dos seus netos com a cozinha?

Justa Nobre – Eles gostam de fazer aquilo que gostam de comer. O Gabriel adora panquecas, as que ele faz com baunilha são famosas, assim como as de chocolate. Gostam também de queques e cakepops, aquele queque redondinho e pequeno. A Mónica e a Mariana gostam mais de bolachas, de queques, cupcakes… Desde que inclua ovos, farinha e açúcar, eles adoram ajudar-me. E eu tenho sempre de deixar uma quantidade generosa da massa na tigela, para eles lamberem. Aí, se for preciso, quase que andam à estalada, porque um já lambeu mais que o outro, o outro comeu menos… Eu e os meus irmãos éramos iguais: lamber a taça de um bolo é o melhor que há!

 

E no Natal, o que é que eles gostam de fazer?

A ceia de Natal é sempre em minha casa, com toda a família reunida e gosto de ter sempre qualquer coisinha que os netos apreciem, umas bolachinhas ou uns bolinhos, porque depois de jantar, após abrirem os presentes, fazemos sempre uma ceia, onde temos chocolate quente ou chá e o típico bolo-rei e tronco de Natal, e eles gostam de ter sempre alguma coisa que apreciem mais. Porque depois da sobremesa do próprio jantar eles não comem quase nada. Só se houver alguma coisa com chocolate, mas não comem muito… Eles ficam tão entusiasmados com as prendas que querem é despachar o jantar para ver se os presentes saem rápido.

 

E a Justa, o que costuma fazer de especial nesta quadra?

Como transmontanos que somos, eu e a minha família, nós temos de ter sempre bacalhau e polvo. Já não faço o típico bacalhau cozido porque, como somos muitos, gosto de cozer o bacalhau em azeite e assim já posso preparar um belo de um tabuleiro com bacalhau, azeite, tomilho, e faço-o no forno, que é muito mais fácil. Os netos não gostam ainda muito de bacalhau, pelo que eu tenho sempre um galo assado e eles comem um bocadinho do peito, com arroz. A Mariana gosta muito de puré e eu faço-lhe com puré, os outros é mais arroz. Canja é imprescindível, porque eles gostam muito. Portanto, comida normal, mas toda muito ao nosso gosto.

 

E o que é para si o Natal?

Com o trabalho que temos a partir de novembro e dezembro, o Natal sabe-nos bem, mas é muito trabalhoso. O Natal pode ser visto de duas maneiras. Quando era miúda, sentia a mesma euforia que qualquer criança sente. Não que tivesse as prendas que agora se têm, mas era um dia em que tínhamos presentes. Na aldeia, íamos à Missa do Galo, beijávamos o Menino Jesus… Quando éramos miúdos, não era o Pai Natal que nos trazia os presentes; era o Menino Jesus. Que normalmente era sempre pobrezinho! Só dava um presentinho ou dois, mas ficávamos encantados e era uma festa bonita. Depois, veio a minha parte de adulta, enquanto não tive o meu filho, o Natal tinha o significado de nos encontrarmos todos juntos. Nesse dia, como não trabalhávamos, podíamos então estar a jantar descontraídos. Mesmo trabalhando juntos, esse era o dia em que nos juntávamos para comer sossegados e sempre tivemos o hábito (eu, os meus irmãos e o meu marido) de nos sentarmos à mesa depois do jantar e a conversa torna-se sempre muito divertida: gostamos de recordar os tempos de miúdos, coisas que se passavam na aldeia, os meus irmãos têm imenso jeito, com algumas anedotas à mistura, e acabava por ser sempre um Natal divertido. A partir do momento em que surgiram as crianças, o filho e os netos, tentamos ter isso tudo, tentamos sempre ter um jantar divertido, mas temos que dar mais atenção às crianças.

 

O que relembra desta época da sua terra natal, Vale de Prados?

Íamos à Missa do Galo a 24 e à missa de Natal a 25, depois era mesa farta, sempre à volta do bacalhau, do polvo e do congro (safio). Na minha aldeia são as três iguarias que não podem faltar no Natal. Congro frito, polvo cozido e frito, bacalhau, normalmente cozido. Ter-se peru no dia de Natal é uma coisa mais moderna. O Natal era sempre à volta de uns belos petiscos, muito variado, bem temperado e bem acompanhado pela família, ao redor de uma bela lareira, com castanhas assadas. Porque em Trás-os-Montes, quando faz frio é à séria e à noite é normal acender-se a lareira, assar castanhas e ficar-se ao borralho a comer castanhas, a beber um licor ou um chá e a conversar. O bolo-rei é uma coisa moderna, não havia há 40 anos atrás. Comiam-se os bolos que se faziam em casa, o bolo de água, arroz-doce, aletria, os milhos doces, que é feito a partir do carolo do milho…

 

Natal é uma época de amor, fé e esperança; com as revoluções políticas, sociais e económicas que o nosso país está a atravessar, o que espera que o Menino Jesus lhe traga no sapatinho este ano?

Espero que o Menino Jesus meta juízo na cabeça dos Homens. Que lhes incuta algum equilíbrio, porque isto anda tudo com muita falta de bom senso. Temos de ser mais humanos. As pessoas querem ter muito protagonismo, desde os governantes aos simples mortais… Isto está tudo tão complicado, que me deixa um bocado assustada pensar que não é só no nosso país que as coisas não estão bem, é a nível mundial. Isso é muito mais grave ainda…

 

É uma pessoa de fé? Costuma comemorar de alguma forma mais religiosa?

Eu fui criada na religião católica, lá em cima não tinha outra hipótese; depois acho que me afastei um bocadinho, não de Deus, mas dos homens de Deus… Lá, venerávamos muito Deus e os santos; eu venero mais Deus. Acho que Ele deve ter muitos anjos lá em cima, a seu mando, a orientar-nos, porque isto está tão complicado que Ele não deve ter mãos a medir, está cansado de aturar tantos doidos e já deve ter delegado nos santos ou nos anjos para que, de vez em quando, nos deem um abanão e olhem por nós. Eu acredito que haja anjos. Acredito e tenho muita fé em Deus, Ele já me deu uns abanões, mas nunca me fechou as portas. Ele tem mesmo de pôr cobro nisto, porque não se admite tanta maldade, que se faça tanto mal às crianças, aos idosos.

 

E presentes? O que espera receber? E o que tenciona oferecer?

Para as crianças já está combinado que este ano não vai haver nenhuns exageros de presentes, porque ainda têm brinquedos por abrir do ano passado e, por isso, vamos embrulhá-los e dá-los a quem precise deles. Não vai haver exagero de consumismo. Mesmo a Mónica, que tem dez anos, já disse que não quer nada de especial, vai pedir roupa, calçado, e eu disse-lhe que pode pedir à família mais chegada que lhe dê dinheiro, para economizar para quando for para a faculdade. Porque estar a gastar-se dinheiro em presentes com os quais eles não brincam, é um contrassenso… Os meus netos nem sequer têm muito o hábito de brincar com bonecos. Claro que hão de ter dois ou três presentes, mas já no ano passado não lhes comprei grande coisa de brinquedos; foi antes roupa e coisas mais úteis. Se vamos estar a gastar dinheiro em prendas que eles depois não ligam, então que se dê o dinheiro e se incuta neles o gosto de economizar, o sentido de poupança desde muito cedo. Cá em casa, cada um deles tem o seu mealheiro, onde põem as moedas e o dinheiro que lhes dão. Quando vamos a um centro comercial ou a uma feira, digo-lhes sempre “já chega, vamos só gastar este dinheiro e nem mais um cêntimo”. Estamos a incutir-lhes alguma responsabilidade e bom senso desde pequeninos. Eles têm de saber que isto não é fácil… porque não é!

 

Qual o presente que escolhia para oferecer ao povo português?

Que deem aos nossos políticos uma enorme caixa de bom senso, outra de otimismo e uma outra grande caixa de emprego e de responsabilidade, que muita falta faz, assim como amor pelo povo português. Para o povo português, que não venham aí só palavras, mas passem aos atos, aos factos reais. Quero que toda a gente viva com saúde, paz e amor. Quero que ninguém tenha fome e que ninguém tenha frio. Das coisas que mais me aflige é ver alguém a dormir na rua e pensar que tem fome ou frio. A minha neta Mariana, no outro dia, fez uma coisa tão bonita: quando começa o outono, do colégio pedem logo cobertores para distribuir pelos mais necessitados, e a Mónica levou um grande saco com mantinhas, mas a pequenina insistiu e escolheu uma com bonequinhos, a preferida dela. Vieram-me as lágrimas aos olhos. Ela não quis dar uma mantinha qualquer, a que ninguém liga, quis dar a que ela adora. Isso para mim é bom, é ternurento, é a certeza de que nós os estamos a educar com sentido de amor e de partilha.

 

Texto: Luís Peniche; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Romão Correia; Maquilhagem e cabelos: Vanda Pimentel com produtos Kioma e L’Orèal Professionnel

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