José Alberto Carvalho critica portugueses:
«Pedem aos médicos para salvar vidas, mas saem de casa sem razão»

Nacional

José Alberto Carvalho despediu-se do Jornal das 8, da TVI, com um discurso tocante dirigido aos médicos e uma crítica aos portugueses que não estão a cumprir o estado emergência.

Seg, 30/03/2020 - 7:41

José Alberto Carvalho despediu-se do Jornal das 8, TVI, deste domingo com um discurso impactante e arrepiante. A propósito da pandemia de coronavírus, jornalista revelou, em direto, ter conhecimento de «médicos nas unidades de cuidados intensivos, não a tratar dos doentes mas eles próprios a receberem cuidados porque são vítimas da doença».

«E, em média, em Portugal, agora, um em cada dois doentes infetados com o novo coronavírus que chegam aos cuidados intensivos morre. É imoral pedir aos médicos que salvem vidas, bater-lhes palmas das janelas e das varandas e, depois, sair de casa sem razão, muito menos para ver como está o tempo ou a praia», criticou severamente.

«Todos estes portugueses que estão a cumprir esta sua missão estão impedidos de sentir o toque humano. Se o fizerem, podem colocar outros em risco mas cumprem a sua missão, porque a diferença entre o bem e o mal pode ser muito simples: fazer ou não aquilo que está certo», afirmou.

«O vírus tirou-me outra coisa: impediu-me que me despedisse dela»

José Alberto Carvalho tocou num tema delicado: a morte. O jornalista revelou que um familiar muito próximo morreu e que, devido à pandemia da Covid-19, não pôde marcar presença no funeral.

«Preparo-me também eu para entrar em isolamento a partir de amanhã. A cobertura jornalística da pandemia prossegue na TVI, como em tantas outras redações, por uma razão simples: é esta a nossa missão. E, a propósito disto, permito-me a partilhar duas reflexões no final destas duas últimas semanas particularmente intensas», começou por definir o pivô da estação de Queluz de Baixo.

José Alberto Carvalho continuou, então, para revelar o momento de dor pelo qual está a passar: «Hoje, foi sepultada uma pessoa da minha família, que sempre foi muito importante na minha vida. Sucumbiu aos 93 anos. Não foi vítima da Covid-19, mas o vírus tirou-me outra coisa: impediu-me que me despedisse dela. A cerimónia fúnebre foi reduzida a meia dúzia de pessoas apenas, sem um abraço de conforto, sem aquele pegar na mão para dizer ‘força’.»

«O vírus rouba-nos até esta exigência moral da humanidade que é despedirmo-nos dos nossos mortos e nunca, nem nos campos de batalha mais sangrentos, se deixam os mortos para trás», considerou, num discurso pautado por pausas reflexivas sobre o impacto na vida de todos do novo coronavírus, que provoca a doença Covid-19, «uma das doenças mais devastadoras da história da humanidade» e que «nada tem de parecido com gripe». Um sublinhado de notar que contrasta com os discursos de despreocupação de líderes mundiais, como os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Donald Trump e Jair Bolsonaro, respetivamente.

Caravana ao lado de casa para, «pelo menos, acenar aos filhos»

O jornalista da TVI não se ficou por aqui. «Preciso de desabafar outro exemplo onde a humanidade se esvai. O médico com quem falei hoje e os outros com quem tenho falado nos últimos dias contam-me como a esmagadora maioria deles, médicos, enfermeiros, técnicos auxiliares, condutores de ambulâncias e paramédicos, não dormem em casa ou não se aproximam dos filhos, dos maridos, das mulheres», vincou.

E foi então que exemplificou com um caso de que tem conhecimento. «Sei de um que alugou uma autocaravana, que a tem agora estacionada ao lado de casa para não contagiar ninguém e para, pelo menos, acenar aos filhos e ver-lhes o rosto pela janela», enalteceu.

«Também eu continuarei impedido de sentir o toque dos meus filhos»

No final do impactante discurso, José Alberto Carvalho explicou por que motivo «tudo isto» o «angustia». «Porque, agora, cumprindo o isolamento, também eu continuarei impedido de sentir o toque dos meus filhos por mais duas semanas, pelo menos, por precaução, e depois logo se verá», lamentou.

E rematou: «Mas a minha angústia maior é mesmo o que irá acontecer ao ato de abraçar depois de ultrapassamos a doença. Para muitos, na verdade, a felicidade passou a ser algo de muito mais simples do que alguma vez foi no passado: o desejo infinito de voltar a abraçar os nossos amores. Até lá, cada dia é uma vitória contra o vírus.»

A condução do principal bloco informativo da TVI fica agora assegurada pelo jornalista Pedro Pinto.

Texto: Dúlio Silva; Fotografias: Arquivo Impala e reprodução TVI

 

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