Isabel Moreira
Entrevista exclusiva à VIP

Nacional

A deputada do PS e filha de Adriano Moreira recebeu-nos em sua casa para falar das suas forças e fraquezas

Sáb, 18/07/2015 - 20:00

Cresceu numa família numerosa – tem cinco irmãos –, mas hoje não consegue partilhar o mesmo espaço físico com outra pessoa. Jurista, escritora e deputada do PS na Assembleia da República, Isabel Moreira, de 39 anos, foi a mulher que tirou do sério Manuela Moura Guedes, fazendo-a abandonar em direto o programa da RTP onde ambas eram comentadoras. Irreverente e ousada, tem-se entregue a causas – nomeadamente da comunidade LGBT e das mulheres – com uma determinação inesgotável. Assume que não é feliz,  mas conhece momentos de felicidade, e diz que o pai, Adriano Moreira nunca irá morrer. 

VIP – Como foi receber recentemente, juntamente com Leonor Beleza, a medalha de ouro da Ordem dos Advogados? 
Isabel Moreira – Foi uma enorme honra. Primeiro, por sermos as primeiras mulheres a recebê-lo em quase 100 anos de prémio, depois por tê-lo recebido com uma mulher que admiro imenso e em terceiro lugar pela enorme responsabilidade que agora sinto em não defraudar quem achou que eu o merecia. 

Sentiu que a conheciam mais na rua após a saída em direto de Manuela Moura Guedes quando argumentava consigo?
Não. Muitos pensionistas e reformados vieram ter comigo na rua quando defendi com outros camaradas junto do Tribunal Constitucional a devolução dos subsídios e pensões que tinham sido cortados e o tribunal deu-nos razão. Foi um momento muito marcante. Até hoje, sinto muito carinho dessa camada da população. 

Voltando ao que aconteceu na televisão… voltou a falar com Manuela Moura Guedes? 
Não quero falar desse assunto. 

A Isabel diz que não conhece a felicidade.
Quando digo que não sou feliz tem a ver com isto: penso que é muito difícil conciliar a felicidade com a lucidez. A hiperlucidez quebra a possibilidade da felicidade, que implica uma certa dose de cegueira. Mas conheço a alegria. 

Essa hiperlucidez não é desgastante?
É, mas não trocava a dor da ansiedade pela paz da não reflexão. 

Sei também que não acredita em nada transcendente.
Filosoficamente sou materialista, sou antideísta, mas estou imbuída pelos valores da justiça, da fraternidade, da igualdade e da dignidade das pessoas. É isso que me move. 

Em momentos mais difíceis, as pessoas tendem a procurar esse conforto. A Isabel, portanto, nunca usa esse instrumento da fé? 
Respeito a fé dos outros, aliás, comovo-me muitas vezes, mas lido com a dor com outros instrumentos. Como acho mesmo que Deus é uma invenção dos homens, prefiro viver na lucidez da ausência. 

É descrita como ousada, irreverente, inovadora. Não receia que não gostem de si pelas posições que toma?
Sou assim por causa de muitas referências na minha vida. Veria com muita apreensão se as lutas que travo causassem unanimidade, penso que é bom sinal quando algo gera atitudes positivas e negativas. Significa que não fiquei numa zona cinzenta e que tomei partido. 

Tem dificuldade em partilhar o mesmo espaço físico com outra pessoa, mas a Isabel cresceu numa família numerosa…
Teve a ver com o percurso da minha vida privada e com a habituação a viver muitos, muitos anos sozinha. Isso vicia. Preciso dos meus amigos, da minha família biológica, da família que eu escolhi, mas depois preciso de um espaço físico que seja só meu e, portanto, não me consigo ver numa situação de conjugalidade. 

Isso não lhe fecha portas para uma relação amorosa? 
Não é preciso vivermos na mesma casa.  

E que família é essa que diz que escolheu?
São os amigos… por quem morreria. 

É jurista, deputada, escritora, foi professora universitária, assessora jurídica, advogada. Como olha para este percurso? 
O que mais me define quando olho para este caminho é a minha escrita. Já publiquei quatro livros e se não escrevesse era a mesma coisa que não respirar. 

Tem entretanto abraçado causas como se o mundo fosse acabar. É sempre assim? 
Sim, é típico dos ansiosos. Tento sempre rejeitar o ideal pessoano do “entrega-te todo inteiro àquilo que fazes”, porque esse ideal leva à destruição da pessoa, porque fica sem forças para o resto. Mas estou sempre a cair nele. Cada coisa que faço, faço com tanta violência emocional que, sentindo na pele de uma forma tão forte as pessoas que estão por trás do que estou a defender, chego a casa com um amontoado de pessoas nas minhas costas. Isso traz-me um esgotamento físico e emocional muito forte. Mas, ao mesmo tempo, essa fraqueza é também um motor. Temos alegrias muito grandes quando pessoas com 600 e poucos euros viram os seus salários devolvidos. Quando saiu a primeira decisão do Tribunal Constitucional chorei. 

Está desperta para a questão política desde os seus 11 anos. Treinava discursos em frente ao espelho?
Sim. Segui de muito perto a campanha do meu pai em 1987, era ele presidente do CDS. Vivia com imenso entusiasmo aquela realidade e queria saber tudo: o que era uma moção de censura, o que era isso do voto útil… Percorri o país inteiro com o meu pai, via-o a fazer discursos e depois imitava-o na casa de banho. 

Quando foi desafiada a entrar nas listas socialistas por Lisboa foi a casa dos seus pais e brindou com eles. Foi o culminar de alguma coisa?
Sentia que tinha um enorme instinto político dentro de mim, tinha estado em movimentos cívicos, já votava PS, já tinha fundado um movimento pela igualdade, já tinha aparecido na televisão a fazer comentário como constitucionalista e, portanto, quando me convidaram para deputada foi um desafio enorme e não hesitei. Os meus pais sempre me apoiaram, sem “ses”, sem “mas”.  

Quando o seu pai celebrou 90 anos, escreveu uma carta lindíssima para ele. Assusta-a ele estar com 93?
Não me assusta. Acho que ele nunca vai morrer. 

Mas sabe que um dia isso vai acontecer. 
Não, não, não sei. Nunca vai morrer. 

Pelo que entendo é uma questão que nem gosta de pensar. 
Não, penso. Acho é que ele nunca vai morrer… ou então morro eu primeiro. 

Sente que ele também tem aprendido consigo. 
Certamente eu aprendo muito mais com ele do que ele comigo. E também com a minha mãe. 

Tem conseguido ser como a sua mãe, como deseja?
É impossível. Acho que no humor sim, no amor pelo mar também. Mas a força, a capacidade que ela tem de revirar o mundo do avesso e pôr tudo em ordem outra vez… ela é um Cabo da Roca, como costumo dizer, e só há um cabo da Roca, não pode haver dois. 

Como é a Isabel fora da esfera política?
Sou uma pessoa banal, gosto de um bom vinho, de uma caipirinha ao fim do dia, de praias desertas, gosto de estar com as pessoas que amo, de ler, de poesia, de música, de dançar, adoro dançar. Na cozinha, sou um desastre. Adoro viajar, até porque tenho esta sensação de ser apátrida. 

Não tem filhos. Pretende ter?
Não quero ter filhos, mas exijo que o Estado reconheça a todas as mulheres solteiras o direito a acederem a técnicas de procriação medicamente assistida para serem mães.   

Tem plantado macieiras no dia seguinte ao pior dia da sua vida?
Essa é uma frase de um livro do meu pai, que se chama Memória do Tempo de Vésperas. A ideia de plantar é a ideia de recomeço. E foi isso que eu disse ao meu pai no final daquela carta que lhe escrevi. Prometo plantar macieiras a seguir ao pior dia da minha vida. E eu, que tive uma vida marcada por uma enorme violência (sem entrar em pormenores), acho que tenho conseguido em cada um desses momentos plantar uma macieira e é por isso que ainda aqui estou. 

Acha que já viveu o pior dia da sua vida?
Acho que não. Uma vez que não tenho filhos, os meus pais são a minha eternidade. Apesar de todas as coisas que já passei, o pior dia da minha vida seria certamente quando essa minha eternidade desaparecesse. 

Texto: Ana Gomes Oliveira; Fotos: Bruno Peres; Produção: Zita Lopes; Cabelo e maquilhagem:  Ana Coelho com produtos Kioma e L’Oréal Professionnel

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