Complexo da Esclerose Tuberosa
A importância da dermatologia

Saúde e Beleza

A Esclerose Tuberosa é uma doença genética rara. Há, em Portugal, cerca de 1600 casos diagnosticados.

Sáb, 25/11/2017 - 16:11

A Esclerose Tuberosa, também outrora conhecida por Doença de Bourneville ou Epiloia mas, atualmente, referida como Complexo da Esclerose Tuberosa-TSC- é uma doença genética rara que afeta a diferenciação, proliferação e migração celular numa fase precoce do desenvolvimento originando uma variedade de lesões hamartomatosas (ie, proliferações celulares anómalas benignas) que podem afetar, virtualmente, qualquer órgão. Tem uma incidência aproximada de 1/6000 nascimentos havendo, em Portugal, cerca de 1600 casos diagnosticados. De transmissão autossómica dominante tem uma elevada ocorrência de mutações espontâneas. 

Estão identificados 2 genes distintos responsáveis pela doença, um no cromossoma 9 (TSC 1) e outro no cromossoma 16 (TSC 2); estes genes codificam proteínas (hamartina e tuberina, respetivamente) que são fundamentais para a regulação do crescimento e proliferação celular e que, se não funcionarem corretamente, como acontece nesta doença, as células vão desenvolver-se de forma anormal e descontrolada e originam-se tumores.

As manifestações cutâneas da TSC são, a par das neurológicas, as mais frequentes, ocorrendo em 90 a 95% dos doentes. As manchas hipomelanóticas (manchas brancas) são o sinal mais precoce e observam-se em mais de 90% dos casos. Geralmente presentes ao nascer podem, no entanto, vir a aparecer mais tarde durante os primeiros anos de vida. Consideram-se suspeitas se existirem 3 ou mais manchas com mais de 5mm. A dimensão pode variar assim como a forma: oval, poligonal, lanceolada (“ash-leaf”, ie semelhante à folha do freixo) e podem localizar-se em qualquer zona do corpo, apesar de raras na face.

As manchas hipopigmentadas podem ser de um outro tipo, pequenas com 1-3mm de diâmetro, múltiplas e agrupadas “em confetti”, apesar de estas aparecerem em idades mais tardias e não serem tão específicas. Também pode ocorrer poliose (ie, pelos brancos) no couro cabeludo, supracílios ou cílios.
Apesar de haver outros diagnósticos diferenciais a considerar a suspeita diagnóstica perante estas lesões em idades precoces é extremamente importante para estarmos alerta para a existência de outras lesões, mais graves, que poderão evoluir silenciosamente até estadios de risco. Daí que os dermatologistas possam ter um papel privilegiado e preponderante no diagnóstico precoce desta entidade.

Os angiofibromas faciais (erradamente denominados outrora com adenomas sebáceos) são as lesões mais características. São constituídos por proliferação de tecido conjuntivo e vascular, donde a sua tonalidade avermelhada e a facilidade com que sangram. Surgem durante a infância mais tardia como pequenas pápulas na região central da face (às vezes confundidas como “sardas” quando nas fases mais iniciais) e vão aumentando em dimensão e em número podendo originar nódulos e tumores de grandes dimensões e assumir aspetos altamente desfigurantes.

Outras manifestações cutâneas características são a placa fibrosa cefálica de natureza similar aos angiofibromas que pode existir logo ao nascer ou surgir nos primeiros anos localizada na fronte ou couro cabeludo, cor da pele ou discretamente acastanhada e de forma e dimensão variável.

A placa de “Chagrém” é um hamartoma do tecido conjuntivo que ocorre em cerca de 1/3 dos doentes e se localiza tipicamente no dorso ou flanco e consiste numa lesão de textura coriácea ao toque, com aspecto de “casca de laranja” ou “pele de galinha” que deve esse nome a uma variedade de couro granulado chamado chagrém.

Os fibromas ungueais (tumores de Koenen) são tumores rosados que crescem adjacentes às unhas ou debaixo delas e, em geral, só se observam na adolescência ou vida adulta. Ocorrem mais frequentemente nos dedos dos pés do que nos das mãos. Podem ocasionar deformações das unhas e causar dores e incómodo com o calçado.
Podem ocorrer também fibromas na cavidade oral – fibromas intraorais – mais habitualmente nas gengivas, mas a localização pode ser em qualquer área da mucosa.

Para além destas lesões cutâneas mais características e importantes para o diagnóstico, nos doentes com TSC podem observar-se outras lesões como, pex, as manchas pigmentadas do tipo “café com leite” e os fibromas pêndulo.

O papel do dermatologista

Para além do seu papel no diagnóstico da doença, os dermatologistas têm um papel significativo no tratamento das lesões cutâneas suscetíveis de serem tratadas como é o caso dos diversos tumores fibrosos descritos.
Os angiofibromas faciais, por serem as lesões mais visíveis, são causa frequente de estigmatização de doentes e familiares e, por isso, as lesões que mais frequentemente são alvo de tratamento. Até há pouco, a maioria dos tratamentos eram destrutivos através de métodos cirúrgicos vários ou de laserterapia, com o inconveniente de serem dolorosos e requererem, por vezes, anestesia geral, para além do risco das cicatrizes secundárias e das recorrências frequentes.

Recentemente surgiu uma nova hipótese de tratamento, que se está a mostrar eficaz e promissora no controle destas lesões, através da utilização tópica de rapamicina. A rapamicina é um fármaco que está aprovado para o tratamento imunossupressor em doentes transplantados; é um inibidor das proteínas que regulam a proliferação celular e que estão deficientes nesta doença e por isso, consegue inibir o crescimento de tumores na TSC (tal como um outro fármaco seu derivado, o Everolimus). Como se constatou que, em doentes submetidos a tratamento por via oral, com estes fármacos, havia melhoria das lesões cutâneas, começou a ser explorada a hipótese de se usar o fármaco, por via tópica.

Desde 2010 que há diversas publicações, na literatura mundial, relativas ao uso da rapamicina tópica e, embora mais estudos, em larga escala, sejam necessários para definir corretamente a eficácia, tolerância, formulação ideal e regime adequado, tudo indica que se conseguiu uma abordagem dos angiofibromas eficaz e que se pode iniciar precocemente, dado que não parece ter efeitos secundários significativos locais e/ou sistémicos.
A nossa experiência, apesar de limitada, tem revelado resultados idênticos aos descritos na literatura, estando já vários doentes em tratamento, com efeitos benéficos.

Artigo de opinião de Teresa Fiadeiro, dermatologista da Clínica DermaCare Lisboa, Hospital da Luz Lisboa e Hospital CUF Torres Vedras.

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