Carlos III
O que é o juramento e por que é tão importante na Coroação?

Realeza

A Coroação de Carlos III acontece este sábado, 6 de maio, na Abadia de Westminster.

Sáb, 06/05/2023 - 9:55

A hora da Coroação de Carlos III, neste sábado, 6 de maio, chegou. Porém, o juramento é o componente mais fundamental da cerimónia. Desde os tempos medievais que no Reino Unido não basta sentar o herdeiro no trono e assentar-lhe a coroa para que ele passe a ser automaticamente rei. Conheça os três atos da coroação – juramento, reconhecimento e aclamação – e a justificação de cada um.

juramento é de tal forma importante que o restante ritual não pode prosseguir. Sem ele, não haveria o reconhecimento – que é o exato momento do início da cerimónia em que o monarca é apresentado aos súbditos para aprovação. A aclamação é terceiro ato, em que o povo aceita o novo monarca. Estes três atos estabelecem uma relação contratual entre o soberano e os povos do império britânico. E é através deste compromisso público com as promessas e valores consagrados no juramento que o monarca forma um vínculo com a Constituição do Reino Unido – que nunca foi reunida num documento único escrito).

Cerimónia de coroação vai ser mais curta

Espera-se uma cerimónia mais curta para a coroação de Carlos III, mas omitir esses momentos vitais seria equivalente a “vandalismo constitucional”, de acordo com o investigador George Gross, investigador da King’s College London. Antes da primogenitura (a lei da herança primogénita), a monarquia britânica era eletiva. “Nos tempos anglo-saxões, o witan [os principais nobres ou o conselho do país] escolhia o novo soberano”, situa David Crankshaw, professor da mesma universidade. “Até, pelo menos, à Idade Média, esta era a entronização que precedia o serviço de coroação.”

A aclamação de hoje vem dessa tradição, a de eleger um soberano. “É quando o oficiante (geralmente o arcebispo de Canterbury), que recebe o herdeiro na Abadia de Westminster, pergunta se a congregação reconhece ou não o direito do candidato a ser coroado. Em representação do povo, os presentes aclamam a pessoa como seu monarca, gritando “Deus salve o Rei”

Alguns historiadores contestam a importância da aclamação, alegando que os entrevistados não são verdadeiramente representativos do povo e dificilmente rejeitarão o candidato – “como se houvesse se escolha possível”. Em Portugal, sob a dinastia de Avis, a aclamação assumiu uma importância tão suprema que a coroação desapareceu completamente. Em contraste, nunca foi pedido aos camponeses russos consentimento para reconhecerem um novo czar.

Após a aclamação, o candidato deve comprometer-se com a sua parte do contrato – os termos estabelecidos no juramento de coroação. “Juramento de coroação é um nome ligeiramente impróprio”, afirmam os especialistas. Na verdade, “trata-se de uma série de promessas em forma de pergunta e resposta, seladas por um juramento feito ‘na presença de Deus’. O texto das promessas evoluiu, mas o essencial permaneceu.”

O juramento de Isabel II

Na versão que durou (com ajustes) de 1308 a 1685, o candidato ao trono prometia confirmar as leis dos antecessores, manter a paz, administrar a justiça imparcial com misericórdia e preservar e fazer cumprir as leis que o parlamento aprovaria. A Revolução Gloriosa de 1688-1689 inaugurou uma grande mudança quando um juramento revisto se tornou estatutário. A versão usada para a coroação da rainha Isabel II, em 1953, tinha três partes essenciais e manteve o núcleo medieval do juramento.

Primeiro, prometeu “governar os Povos […] de acordo com as suas respetivas leis e costumes”. Em segundo lugar, garantiu que “Lei e Justiça, na Misericórdia, fossem executadas em todos os julgamentos”. Por último, jurou manter “as Leis de Deus e a verdadeira profissão do Evangelho”, bem como manteria no Reino Unido “a Religião Protestante Reformada estabelecida por lei”. Só depois veio o juramento propriamente dito. Isabel II jurou que “as coisas que aqui antes prometi, cumprirei e farei cumprir”. “Então, ajude-me, Deus.”

Como fica demonstrado, “o monarca jura defender certos valores-chave: lei, justiça e misericórdia – embora Carlos tenha dito que se vê como defensor da fé’ e o serviço provavelmente fará referência a outras denominações e religiões”. Esta obrigação dirige-se à nação, mas também transmite uma mensagem global do que o Reino Unido representa.

A coroação de Isabel II, em 1953

O juramento da coroação marca o momento em que os atos e as palavras do monarca correspondem à confiança nele depositada pelo povo ao reconhecê-lo e aclamá-lo como seu rei. Juntas, as duas etapas formam um contrato com base no qual o serviço pode proceder à coroação.

Há uma sensação de que “os monarcas não coroados (e, portanto, não juramentados) eram e não eram totalmente soberanos”. Teria Ricardo III usurpado a coroa tão facilmente se um dos príncipes da torre tivesse sido coroado? Poderia Lady Jane Grey (a rainha de nove dias) ter afastado Mary Tudor se ela tivesse reinado o suficiente para passar pela coroação? “Da forma como tudo aconteceu, Maria I liderou o único golpe de estado bem-sucedido do século XVI.

Os triste fins dos reis não juramentados

Ao escrever sobre Eduardo VIII, que abdicou em 1936, a rainha-mãe diz ter sido uma sorte “ele nunca ter sido coroado”. Claramente, “uma abdicação pós-coroação teria sido mais problemática, porque o juramento da coroação estabelece essa responsabilidade”. A quebra de contrato pode, para um monarca juramentado, ter “consequências terríveis”. A acusação de desrespeitar os juramentos de coroação foi levantada contra Eduardo II (deposto e assassinado), Ricardo II (que viveu a mesma sorte), Carlos I (deposto e executado) e Jaime II (deposto e exilado). Estes reis não eram confiáveis ​​porque haviam quebrado a palavra sagrada.

O juramento é ao mesmo tempo “um canal para a tradição, um pilar constitucional, uma fonte de legitimidade e autoridade e um marcador de valores nacionais”. O juramento de coroação “vincula o monarca aos povos e ao sistema de governo do Estado, mas também comunica alguns dos princípios – lei, justiça e misericórdia – sobre os quais repousa esse governo”, consideram os especialistas da King’s College London George Gross e David Crankshaw.

Os juramentos são “ainda parte importante do emprego nas forças armadas britânicas, força policial, parlamento, conselho privado e tribunais”. Cada um destes juramentos “menciona fidelidade, serviço ou lealdade ao soberano”. “Quão incongruente seria se a pessoa no cume da pirâmide constitucional não tivesse juramento para jurar?”

Texto: Luís Martins; Fotos: Reuters

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