Vanessa Afonso
“Falo constantemente com a Nonô”

Nacional

Um ano após a morte da princesa guerreira, vítima de cancro, a mãe, conta como ultrapassa a dor da perda

Sáb, 29/08/2015 - 17:00

Faz no próximo dia 3 de setembro um ano que Nonô, a “princesa guerreira”, morreu, vítima de cancro, aos cinco anos de idade. A VIP falou com a mãe, Vanessa Afonso, que ainda este ano teve de enfrentar outro drama: a detenção do filho mais velho, Henrique, de 19 anos, acusado de ter agredido e tentado violar uma jovem estrangeira. Vanessa conta (ver página 79) que a relação com Henrique, que, sabe a VIP, passou por momentos complicados, está muito melhor. Ao longo de uma conversa intimista, a  mãe de Nonô fala ainda do seu trabalho na APLAS  – Associação Princesa Leonor Aceita e Sorri, das saudades que sente e de como pretende assinalar o ano da morte da filha.

VIP – Como tem sido este ano?
Vanessa Afonso ­– Tem sido tudo e nada. Tudo no sentido em que há muita coisa para fazer em torno da associação e em torno das crianças que apoiamos, mas no fundo, ao nível de projetos pessoais, a minha vida não mudou muito. Continuo a dedicar-me à APLAS e pouco mais.

A Nonô continua sempre presente?
Em tudo.

O passar do tempo ameniza a dor?
Não, o passar do tempo aumenta ainda mais a dor. É uma dor conformada. Nós sabemos que dói mas também sabemos que não tem remédio, que ela já não volta. Um dia hei de ir ter com ela… 

Quais são as melhores recordações que guarda da Nonô?
Os nosso pedacinhos juntas. A espontaneidade dela. A todo o momento lembro-me dela ou estou a dizer uma frase dela. Entro nalgum sítio e vejo alguma coisa e digo logo: ‘o que a minha filha ia gostar disto’. Não há um segundo em que não pense nela. A minha filha está sempre presente.

Trabalhar na APLAS apazigua a dor ou aumenta-a?
A APLAS foi a minha salvação. Hoje tenho perfeita consciência disso. Comecei a fazer isto para satisfazer a necessidade de contribuição da minha filha. Ela gostava de dar, de fazer sorrir, de ver toda a gente contente à sua volta e era um pouco para a ver feliz. Neste momento, é quase como que um transferir… Realizo-me através destas crianças. É como se cada uma delas fosse um bocadinho da Nonô.

Como se reage de cada vez que uma delas parte?
É duro. É reviver tudo outra vez, mas de uma forma diferente. Acho que o pior que me poderia ter acontecido foi vivenciar e experienciar tudo isto na primeira pessoa. A partir daí, é apenas o constatar de que somos todos iguais e, quando reduzidos à nossa essência, reagimos da mesma forma. Dói a todos da mesma maneira, temos as mesmas emoções, sensações, enquanto pais e mães, então acaba por ser muito mais fácil para mim empaticamente ajudar, porque eu conheço aquela dor, sei o que se está a pensar e o que se está a sentir. É mais fácil intuir o que a pessoa está a precisar porque já se viveu. Claro que se me perguntarem se preferia nunca ter experimentado, com certeza que não queria. Este é o tipo de situação que nenhum pai, nem nenhuma mãe, quer alguma vez viver. Mas já que aconteceu, que tudo isto que vivi com a Nonô não tenha sido para nada. Seria egoísmo da minha parte, o tanto que aprendi, que percebi que gira em torno desta doença, ficar guardado apenas nas minhas reminiscências e na minha dor. Se servir para atenuar a ansiedade e as angústias de outras mães, quanto mais não seja com uma mão num ombro, então estamos cá.

Como é que tem sido desenvolver este trabalho?
Nunca mais parei. Todos os dias há mais coisas para fazer e conseguisse eu ter o tempo e o ânimo, porque às vezes também me falta o ânimo. As pessoas olham muito para nós como alguém que consegue sempre, mas nem sempre é assim. Também tenho grandes momentos de quebra, em que preciso de me recolher sobre mim mesma, embora não goste. Quando não estou bem, gosto de me refugiar e nem é tanto por mim, mas porque não tenho a o direito de que a minha dor possa manchar ou incomodar os outros.

O que se faz para ter ânimo nessas alturas?
Permito-me sentir a dor. Se tiver de chorar, choro. Se tiver de me esconder, escondo-me, e depois uso a minha velha máxima que é ‘cala-te e rema’. Se vai mudar alguma coisa? Não! Não vai mudar nada, por isso aceito e sorrio. Não podemos fazer nada.

Sente raiva?
Primeiro sente-se muita raiva, muita revolta. Numa altura em que há pessoas a pensarem ir de férias para Marte, como é que ainda há crianças a morrer com esta doença? Mas depois não nos devemos focar naquilo que não controlamos, então temos de aceitar a partida. Serenar as emoções, os ânimos, porque há uma mãe e um pai que vão estar a precisar de nós e temos de estar com sentido de missão para os podermos ajudar.

Emocionalmente é esgotante?
Tem dias. Há dias em que apetece atirar com tudo ao ar, mas há outros em que a pessoa acorda mais lúcida e pensa: ‘sim, vai ser sempre assim até se encontrar uma cura’, por isso o que temos a fazer é dar o nosso melhor para que o ‘fardo’ se torne mais leve para quem o está ainda a carregar. Porque, no fundo, o que as pessoas pensam é: ‘coitada, aconteceu-lhe a maior desgraça que poderia acontecer, perdeu a filha’. Sem dúvida. Mas há aqui outro lado que as pessoas não pensam, que é que para mim o tormento acabou, a tortura acabou. Pior é para aquelas mães que continuam. Mesmo os meninos que estão em remissão, porque infelizmente não podemos dizer que o cancro tem cura, porque ainda não tem. Não podemos dizer que alguém está curado. Podemos dizer que está em remissão e esperamos que assim continue até ao fim dos seus dias, mas é viver o resto da vida com a espada em cima da cabeça. Mal ou bem, a dor foi definitiva, acabou ali. Agora fica a dor da saudade, da ausência dela, do querer abraçá-la e não a ter, mas já não há a angústia do dia-a-dia, da pessoa acordar e não saber como vai ser o seu dia, se os níveis das plaquetas vão estar bons, se a hemoglobina vai estar boa, etc… Isto é o dia-a-dia de um pai com um filho com doença oncológica. Por isso é preciso dar-lhes muito apoio. É para isso que estamos cá.

A Mariana, uma menina que a associação ajudou, partiu há pouco. Como foi viver essa perda?
Senti com a Mariana o mesmo que senti com a Nonô. Quando chega ao ponto em que a dor deles se sobrepõe à nossa vontade de os querer ter cá, temos de os deixar partir. Falei com Deus para aliviar esse sofrimento.

É difícil voltar ao IPO de cada vez que um desses pais pede ajuda?
Quando volto ao IPO, ‘visto-me’ com a minha máscara de missão. Estou ali com o propósito de cumprir uma missão, é quase como se eu desligasse o botão das memórias. Não estou ali como mãe da Nonô. Bloqueio as memórias. Só estou ali para a criança e para os pais dela. Ali sou a Vanessa da APLAS.

Leia a entrevista completa na edição número 945 da VIP. 

 

Texto: Carla Vidal Dias; Fotos: Zito Colaço

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