Simone De Oliveira
“Tenho um lado frágil que não deixo transparecer”

Famosos

A atriz e cantora voltou ao estúdio e gravou Pedaços de Mim.

Qui, 09/05/2013 - 23:00

Direta e emocional, Simone de Oliveira falou à VIP sobre o novo trabalho que chega ao fim de dez anos sem gravar. Satisfeita com o resultado, a artista fez questão de agradecer todo o apoio que tem tido ao longo dos 55 anos de carreira, mas garante que nada lhe foi servido numa bandeja, “Tive uma trabalheira enorme para chegar aqui.” 

VIP – Ao fim de dez anos sem gravar, lançou Pedaços de Mim. Este trabalho é o “bebé” com que sonhou?
Simone de Oliveira – Desejei muito um disco! Naturalmente este bebé ultrapassou tudo: nasceu com cabelos louros, olhos azuis, um querubim! É evidente que sonhei gravar, sobretudo inéditos, porque há mais de 15 anos que não acontecia e com gente mais nova que teve a gentileza de escrever para mim. Ter tido a possibilidade de gravar naquele que considero um dos melhores estúdios da Europa, Get!Records, com uma orquestra de 70 músicos foi como se me tivessem dado uma estrela… um molho de estrelas.

Uma constelação delas…
Mesmo! Foi uma coisa maravilhosa, mas sofrida, porque estava a fazer a novela ao mesmo tempo. Primeiro meter na cabeça, depois na boca e no coração as canções novas, depois queria que tivessem o meu cunho, mas também introduzindo aquilo que as pessoas queriam. Claro que as canções foram escritas por mim, exceto duas, o Bolero, que cantei com o fadista Ricardo Ribeiro, a quem agradeço penhoradamente, e uma canção espanhola de cariz político que andava há dez anos para cantar que é Te Doy Una Canción, acompanhada só com o Pedro Joia que fez um trabalho brilhante. O que é que posso pedir mais?! Também não posso pedir mais entrevistas porque já fiz com toda a gente e trataram-me lindamente.

Isso é muito bom…
É ótimo! É uma prenda maravilhosa. Existe carinho, respeito, ternura, uma certa admiração talvez por algumas posturas que já tive, pela maneira como falo, pela forma como me bato pelas minhas verdades, que naturalmente, podem não ser as verdades dos outros. E por me parecer que tenho tido um comportamento correto em relação às pessoas.

Como foi voltar a estúdio dez anos depois?
Olhe, uma camada de nervos! Até porque gravei sem phones, para não ter o som a vir de baixo e não dos ouvidos. Nunca tinha gravado assim, por isso, no primeiro dia, enervei-me um bocadinho. Mas depois a coisa aconteceu. Gravei uma média de quatro a cinco vezes cada cantiga.

E a recetividade do público?
Outro dia ia para Setúbal e a parei numa bomba para abastecer e vieram dois rapazes novos ter comigo: “Simone boa tarde, epá parabéns pelo seu disco” (risos). Tem corrido muito bem. O que pensei em relação a este trabalho foi se as pessoas iam gostar ou não, porque sempre se habituaram às minhas coisas definitivas, como o Sol de Inverno, a Desfolhada, Palavras Gastas e este é um disco com características completamente diferentes, embora se mantenha a minha forma de cantar, talvez até bastante melhor do que há cinco ou seis anos, porque comecei com aulas de voz com o professor Luís Madureira.

Nunca tinha feito?
Não! E devo-o à minha filha, porque insistiu muito comigo. Reconheço que é muito útil. Quando estava no estúdio a gravar e tinha que dar uma nota mais alta dizia logo: “Ai meu querido Luís Madureira” (risos). Portanto, acho que o público reagiu muito bem, que estão a gostar deste trabalho que é diferente… agora nunca fui uma pessoa de vender muitos discos. Digamos que sou popular, não sendo popular… não me sei explicar. Agora que tenho sido muito bem recebida, tenho!

Já tem espetáculos marcados?
Queria muito fazer pelo menos dois… nunca fiz um concerto no Porto e tenho com a cidade uma ligação estranhíssima: perdi a voz no Porto, era lá que estava quando me diagnosticaram cancro. Mas adoro o Porto, já lá fiz comédia, revistas, mas ir lá cantar, nunca aconteceu. Agora também não é fácil agarrar em 30 ou 40 músicos e levá-los. A crise é a crise, não tenho patrocínios, estou a tentar e pode ser que venha a acontecer. Depois para andar pelo País com este disco terá que ser com três, quatro músicos no máximo.

É muito rigorosa no seu trabalho.
Muito! Sou uma mulher de trabalho, profundamente pontual e não sei ir para as coisas se não tiver a noção do que estou a fazer. Tenho a sorte de ter uma memória ainda privilegiada. Tenho tido um percurso muito, muito bonito.

Há pouco falávamos da falta de paciência que tem para as roupas...
Não tenho paciência, não tenho! Tenho que agradecer à Budha e ao Augustus porque têm sido incansáveis… Não ligo mesmo a trapos e quando preciso não tenho. Há dois ou três anos o Augustos estava em saldos e eu comprei três ou quatro vestidos. Tenho lá coisas penduradas de anos que não uso.. qualquer dia faço uma venda (risos). Quando não sei o que vestir, uso um smoking.

O que sente quando é homenageada?
Fico completamente sem jeito. Quando o presidente Sampaio me deu a Ordem do Infante D. Henrique eu não acreditei. Liguei para a minha filha, para o Luxemburgo, a contar o que me tinham feito e ela disse-me para não acreditar (risos). Uns dias depois voltaram a ligar… Quando acontece pergunto sempre “porquê?”, mas adorei! Foi uma cerimónia muito bonita e lembro-me perfeitamente da cara do meu filho: “Ela conseguiu chegar aqui!” Tenho vaidade nas minhas coisas, acho que tenho feito um percurso pelo menos com uma grande paixão e uma grande verdade, mas depois sou a mulher que sou… Já chorei, já tive medo, tenho saudades da minha filha, do meu outro neto que está fora, tenho as minhas solidões, vivo sozinha há 17 anos. 

Sente falta de ter companhia?
Sinto. É evidente que sim. Aqueles primeiros quatro anos foram horríveis. Depois o tempo traz outro tipo de saudades. Digo muito uma frase do Varela, “uma saudade lavada”, sem gritos nem choros. Posso-me comover se o vir na televisão, como me comovo se vir a minha chegada a Santa Apolónia e ter um meu pai à minha espera (o meu pai viu-me cantar uma vez). Agora o meu baú das memórias começa a ser muito pesado, muitos amigos, colegas, gente da minha geração que já morreu. Por isso, deixei de ir a enterros. Desculpem, mas não vou, porque é um peso enorme e que me leva por aí abaixo. Já fiz os meus enterros, pai, mãe e marido… chega! Não gosto da Basílica da Estrela e já disse que não quero ir para lá.

Já deu dois “pontapés” na morte.
O Herman dizia com muita graça “o cancro quando chega ao pé dela diz: deixa-me ir embora que esta mulher é doida’ (risos). Tive muita sorte. Uma sorte terrível. A sensação que tenho é que há sempre qualquer coisa que não sei definir… Sou uma pessoa de boas energias, não tenho nenhuma capacidade de ódio, tenho uma enorme capacidade de paixão. Sou conciliatória e tento descomplicar tudo, embora nem sempre tenha conseguido descomplicar tudo na minha vida.

Publicou um estado curioso na sua página do Facebook, diz: “Para todos os que gostam de mim e também para os que não gostam.” Ou se ama ou se odeia, mas não se fica indiferente a Simone de Oliveira?
Dizem que sim. Há pessoas que definitivamente não gostam. Há outros que gostam da cantora, mas não gostam da atriz e vice-versa. Há pessoas que gostam da voz que eu tinha, há outras que preferem esta. O que existe é um consenso: terem um certo respeito pelas minhas posturas. Podem até não gostar de mim, mas como mulher dão-me o beneficio da dúvida (risos). Mas não tenho razões de queixa, seria uma patetice enorme da minha parte dizer que tenho. Só tenho razões para estar grata à vida, ao público e a este país e a toda a comunicação social. Só tenho que dizer, muito, muito obrigada por tudo!

Mataram-na virtualmente…
É verdade. Acho que são um tipo de brincadeiras completamente disparatadas. Não sei qual é o intuito. Achei que não valia a pena fazer nada, porque há coisas mais importantes na vida. Só me aborreceu porque tenho família a viver na Europa e a notícia chegou ao meu neto. Isso é feio, mau, indigno!

Se olhasse para o percurso de uma cantora chamada Simone de Oliveira, que conclusões tirava?
Que teve uma trabalheira enorme para chegar até aqui (risos). Sempre a puxar a carroça.

Nunca teve nada de bandeja?
Nada! É facto que tenho tido muita sorte, mas nada me chegou de bandeja.

Mudava alguma coisa no seu percurso?
O que fiz está feito. Terei tido atitudes às vezes um pouco violentas para me afirmar, mas tenho um lado frágil que não deixo transparecer porque não quero. Só me dou a conhecer realmente quando estou na minha casa, quando estou com os meus filhos ou os meus netos, que me conhecem muito bem. Outro dia foram perguntar ao meu neto mais velho, o André, que fez as fotografias do interior deste disco, como é a avó. A resposta foi: “A minha avó são pastéis de bacalhau, arroz de grelos e bowling” (risos). Estavam à espera de uma coisa muito eloquente.

Foi uma mulher muito diferente nos dois papéis, de mãe e avó?
Fui. Sou. Os meus netos têm pai e mãe. Os meus filhos tiveram mãe. Com uma grande ajuda que foram os meus pais, mas eu tentei agarrar as pontas todas. Naturalmente, algumas vezes não fiz bem. Já falámos tudo sobre isso e pusemos os pontos nos “is”. Tenho uma relação extraordinária com os meus filhos, uma grande admiração como indivíduos, pela retidão de carácter, de justiça, por não serem nada vaidosos. Tenho filhos e netos brilhantes.

Como lida com as fotografias do passado?
Muito bem. Não tenho raivas. Acho realmente que aquela mulher (aquela, não eu) teve fases em que era muito bonita, cantou com a voz que tinha, tentou fazer o melhor que sabia, mas não me aflige nada ver fotografias de quando era nova, senão era uma desgraça (risos), passava o dia a chorar. Aceito perfeitamente! Digo sempre: “Olha que a mulher não esteve nada mal, não senhor, está bem cantado, está bem vestida ou aquele vestidinho não correu lá muito bem”, mas é aquela que deu lugar a esta e as duas tem de se dar bem.

O que é que ouve?
Maria João Pires, Camané, Charles Aznavour. Depende muito da minha disposição, mas não me ponho a mim, isso não.

Nunca, porquê?
Oh minha querida, depois deste disco estou farta de ouvir a mulher (risos). Às vezes deixo entrevistas a gravar e tenho duas ou três de que gosto, porque acho que aquela personagem esteve correta.

E de músicos estrangeiros?
Gosto muito Seal, do Michael Bublé, da Tina Turner e da Beyoncé, porque vi num daqueles canais norte-americanos a vida dela. As pessoas acham que é sempre tudo muito fácil, muito simples. É a mesma coisa que me perguntarem, “cantar é muito alegre, não é?”… claro que pode ser, mas às vezes cantar não é muito alegre!

Continua a dar-lhe prazer fazer televisão?
Muito! Gosto muito de fazer tudo e quando faço é de paixão. Não quer dizer que não haja momentos em que me custe acordar de madrugada, mas depois passa.

O que gostava de fazer neste momento?
Continuar a trabalhar. Seja no que for. Continuar a trabalhar, a viver e ter a possibilidade de estar com a minha família e os meus amigos. O que quer que lhe diga aos 75 anos, que vou viver até aos 100? A vida o dirá! Não faço promessas nem previsões. Não sou o Borda d’-água… (risos). Quero continuar a trabalhar!

Texto: Carla Simone Costa; Fotos: José Manuel Marques; Maquilhagem e cabelos: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel; Produção: Elisabete Guerreiro e Manuel Medeiro
 

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