Isabel Medina
“Tenho saudades dos que morreram”

Famosos

Aos 60 anos, a atriz abre o livro da sua vida e relata o percurso de uma infância infeliz até à atriz realizada que é hoje

Qui, 27/09/2012 - 23:00

 Tem 60 anos, 30 de carreira e o balanço não podia ser melhor. Apesar de dizer não ter tido uma vida completamente feliz, Isabel Medina explica que isso nunca a impediu de lutar, que não lhe retirou a alegria de viver nem o positivismo. Conheça a atriz nesta conversa com a VIP.

VIP – Qual o balanço destes 30 anos de carreira e 60 de idade?
Isabel Medina – É um balanço feliz. Em relação aos 60 anos acho que sou uma privilegiada porque nunca tive nenhuma crise de idade. É muito mais difícil para as pessoas que foram bonitas envelhecer do que para as pessoas como eu, apenas giras. Acima de tudo, gosto de viver!

Foi uma vida feliz?
Não completamente feliz, mas acho que as vidas têm de ser assim. Os obstáculos fazem-nos crescer, lutar. Sempre fui muito forte em relação aos meus objetivos e sempre muito independente.

Nasceu em Moçambique, veio para Lisboa aos três anos, acabou por voltar para Angola. Isso condicionou-lhe a infância?
Condicionou-me a vida toda. Eu não sabia o que era ter um lugar físico. O meu pai era engenheiro agrónomo e andámos sempre de um lado para o outro. Estive em Luanda, Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Lobito, Lourenço Marques: não parávamos e eu sempre me senti saltimbanca. Quando me casei a primeira vez também não tínhamos casa. Andámos a viajar. Depois do divórcio fui para uma comunidade, depois voltei para casa da minha mãe. Só considerei que tinha um lar quando me casei com o Luís. Só aos 38 anos soube o que era ter uma casa.

Conseguiu ser criança?
Era uma criança adulta. Era infantil na parte dos afetos, mas era adulta porque assisti a algumas tragédias. Andei num psicólogo porque havia um desfasamento entre a minha idade afetiva e a minha idade mental. Não tive uma infância muito feliz. E foi muito divida entre a minha mãe e o meu pai. O meu pai tinha esquizofrenia e isso condicionou tudo.

Não teme essa herança familiar?
Fui acompanhada em pequenina por causa disso, mas a doença em princípio não passa para a minha geração. Tive medo pelo meu filho e ele foi observado. O meu neto também pode ser um caso de risco, mas até agora não há desvio.

Ficar órfã de pai aos 12 anos mudou-a?
Sim. Sinto que cresci muito com a perda. Eu tinha uma relação fortíssima com o meu pai, tanto que aos quatro anos escrevi um livrinho onde dizia que ele era meu pai, meu amigo, meu marido (risos). Eu era muito agarrada a ele e a sua morte foi um choque para mim. Mas não chorei.

Não? Porquê?
Acho que não aceitei que ele tivesse morrido porque a verdade é que ele desapareceu e nunca tivemos um corpo para enterrar. Casei-me pela primeira vez com 17 anos com o Pedro, o pai do meu filho, que era piloto aviador na Força Aérea. Tentámos ir para Angola porque eu acreditava que ia reencontrar o meu pai por lá e só aos 20 anos me convenci de que ele tinha morrido.

Refugiu-se nos seus sonhos para ultrapassar a tristeza desta perda?
Eu não vivi nada disto com grande infelicidade, confesso. Sempre quis ser atriz. Mas como vinha de uma família muito conservadora, ser atriz era a última coisa que eles queriam e por isso tirei Filologia Germânica, para que a minha mãe não fosse acusada de ser má mãe. Ainda fiz o mestrado, ainda entrei em Psicologia porque achei que me ia ajudar, uma vez que estava a fazer formação de professores. Tirei proveito de tudo sempre sem me sentir infeliz. Porque havia muita coisa que me dava alegria para além de ser atriz.

Viveu sempre com muita alegria, mas a verdade é que não teve uma vida fácil.
A minha família era de Cabo Verde e era uma família de colonialistas, éramos praticamente donos de Cabo Verde até ao 25 de Abril, altura em que perdemos tudo. A partir de certa altura tive de começar a ajudar a minha mãe e não foi fácil porque já tinha o meu filho e estava divorciada.

Casou pela primeira vez aos 17 anos e foi mãe aos 19. A família não saiu prejudicada com essa sua paixão pelo teatro?
Sempre fui uma mulher de paixões e casei-me cedo porque queria ser independente, mas a verdade é que com os homens não somos independentes. Eu era mais independente com a minha mãe do que com o meu marido e acho que foi por isso que não acabou bem. Agora somos amigos, mas demoramos anos a ficar bem. A família não se ressentiu, apesar de no início da minha carreira uma revista ter publicado que eu tinha abandonado o meu filho pelo teatro. É mentira. Mas podia ter tido uma carreira melhor porque tive de a interromper para apoiar o meu filho que teve uma fase difícil. Foram oito anos sem fazer teatro nem televisão.

Optou por ser mãe nessa altura?
Sim, porque ele realmente precisou mesmo de mim a tempo inteiro. Nessa altura já estava na RTP, já tinha o meu ordenado, tinha uma vida mais facilitada a nível de horários o que me permitia ter mais tempo para o Pedro.

Sente que a sua carreira podia ter seguido outro caminho?
Sim, eu estava muito lançada na carreira e tive de recomeçar tudo. Se não tivesse parado acho que tinha chegado a ser brilhante.

A sua segunda oportunidade deveu-se ao aparecimento das televisões privadas?
Não. Deveu-se essencialmente a mim, quando decidi criar a Escola de Mulheres. A partir do momento em que voltei ao teatro, os realizadores voltaram a chamar-me. Nessa altura ainda estava na RTP e era exclusiva, portanto não foram as privadas que me relançaram.

Porque é que saiu da RTP?
Eu era exclusiva e convidaram-me para o departamento de ficção. Decidindo eu o que comprávamos e adaptávamos, não podia ser atriz.

Foi na RTP que conheceu o seu marido?
Sim. Eu fui para a BBC fazer um curso de Escrita para Televisão e Cinema e ganhei um estágio, mas como era estrangeira optei por dar o meu guião à RTP. Eles dão o guião ao Luís Filipe Costa, que era o melhor realizador da altura. Eu fui conhecer o realizador que ia conduzir o meu guião e não aconteceu nada, apesar de eu lhe ter achado logo muita piada. Ele era brilhante. Não me ligou nenhuma, apesar de hoje dizer que sim (risos). Passaram-se dois anos até me convidar para entrar num filme dele. Eu que dizia a tudo que não na TV, mal soube que o projeto era dele aceitei. Foi aí que começou tudo.

Reconheceu nele uma alma gémea?
Eu sempre me apaixonei – exceto pelo meu primeiro marido, do qual gostei mais do aspecto – pela inteligência e o Luís é uma enciclopédia ambulante. Ele era inteligente e um ótimo realizador e eu fiquei “apanhada”. Aprendi imenso com ele.

Estão juntos há 24 anos. Qual é o segredo?
Ele foi o único que percebeu que eu sou a pessoa mais fiel do mundo se me sentir livre e independente. Criámos uma confiança e uma cumplicidade muito grande.
Precisa do seu espaço. Em relação ao seu filho e ao neto consegue ser assim?
Com o meu filho tentei dar-lhe espaço, mas não correu bem. Os tempos eram muito diferentes e o tempo dele foi muito o do experimentalismo das drogas. Percebi então que um filho precisa de orientação e recomeçámos uma relação de proximidade na qual falamos todos os dias, coisa que nunca fiz com a minha mãe e da qual não gostava.

Se pudesse mudar alguma coisa, mudava?
Não costumo dizer que me arrependo porque na altura se fiz o que fiz foi porque não sabia fazer melhor. Mas agora posso dizer que havia coisas que gostava de ter feito de outra maneira, porque aprendi com o que vivi. Por exemplo, arrependo-­-me de ter casado tão nova. Pelo meu filho. Eu não tinha preparação nem maturidade para ser mãe. Tinha amor para dar, mas não tinha maturidade para lhe dar educação. Mas acho que, se sou quem sou hoje, é por causa do que vivi.

A sua família perdeu tudo no 25 de Abril?
Apesar de eu não ser uma pessoa de direita, também não me sinto de partido nenhum… acho que sou mais anarquista (risos). Na altura estava casada com uma pessoa do regime e o meu 25 de Abril foi passado em Bruxelas. Levei pessoas para fora do País, porque ia haver a Revolução e nós estávamos avisados, mas estava doida para regressar. Consegui voltar a tempo do 1.º Maio e fui para a rua festejar.

Como vê o futuro?
Quero ser atriz até ao fim dos meus dias.

Não tem medo da morte?
Nenhum. Tenho saudades dos que morrem, por isso é que me é tão difícil chorar.

Não chorou quando há um ano a sua mãe morreu?
Chorei porque estive duas ou três horas agarrada à mão dela, já morta. Depois, só voltei a chorar quando vi um filme e chorei de saudades. Tenho saudades dela.

Ser avó é o papel da sua vida?
O meu neto foi uma renovação na minha vida. De repente senti-me mãe sem todos os medos que tinha tido. Com o meu neto é tudo para ele.

Se a sua vida fosse uma peça de teatro era uma comédia ou um drama?
Era uma peça de Tchekov. Ele conhece-nos muito bem. Nós somos humanos, temos os nosso dramas que acabam sempre por nos fazer rir.

Texto: Sónia Salgueiro Silva; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Romão Correia; Maquilhagem e Cabelos: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel

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