Anabela Moreira
“Tenho medo de me magoar”

Famosos

Atriz de Sangue do Meu Sangue, filme proposto para um Óscar, tem o coração desocupado há cerca de um ano

Qui, 20/09/2012 - 23:00

 Sangue do Meu Sangue foi um dos filmes mais marcantes de Anabela Moreira e com esta película de João Canijo percorreu vários festivais de cinema em todo o mundo. O último em que esteve presente foi o de La Rochelle, este verão. A atriz, que chegou a pensar ser psicóloga, é uma das mais respeitadas no panorama nacional e numa conversa franca fala com a VIP sobre a carreira e as suas emoções.

VIP – Participou na ficção documental Obrigação, que foi rodada na comunidade piscatória das Caxinas. Como foi viver de perto aquela realidade?
Anabela Moreira – Primeiro foi uma curta-metragem para o Curtas de Vila do Conde e agora será uma longa-metragem, que deve estrear antes do final do ano. O filme é muito engraçado porque retrata uma atriz que está a trabalhar para poder representar um determinado papel. Parte do filme é ficção, mas é essencialmente um documentário em que eu fui para Caxinas e estou a fazer o estágio de atriz. Já tinha feito isto em dois filmes do João Canijo, inclusive no Sangue do Meu Sangue existem duas cenas que foram desenvolvidas em estágio com os moradores do bairro Padre Cruz e neste projeto fomos mais longe. O filme todo sou eu como atriz a interagir com as personagens reais na procura de como é que se faz a obrigação, porque elas têm uma profissão que se chama a obrigação, numa comunidade de mulheres que se diz que são elas que mandam. Mas não são elas que mandam. É uma das sociedades mais machistas que eu conheço, tanto que o trabalho delas se chama fazer a obrigação. Os homens vão pescar e elas mandam porque estão sozinhas a semana toda e têm de tomar as decisões em relação aos filhos, ao dinheiro, à gestão da casa. Mas quando eles estão presentes são os reis e de uma forma que nós, que vivemos em Lisboa e não vivemos numa sociedade tão machista, não compreenderíamos.

E conseguiu compreender?
Sim, consegui, porque acho que sou de uma geração onde existe um bocadinho o estigma da mulher. Acho que Portugal é ainda um país um pouco machista, onde a mulher tem de corresponder a uma determinada ideia: governar a casa e cuidar dos filhos. Mesmo que isto já não seja completamente assim, todos nós já ouvimos histórias e temos presente uma ou outra frase da nossa avó ou mãe. Não nos podemos esquecer que, ainda há pouco tempo as mulheres, para saírem do País, tinham de pedir autorização aos maridos.

Ter estudado Psicologia faz com que a psicóloga entre em cena para a ajudar a compor as suas personagens?
Acho que ajuda, mas dificultou também o processo. Muitas vezes quando estou a observar um determinado comportamento já não estou a ver o comportamento em si. Por detrás de um comportamento de agressão posso ver uma pessoa extremamente insegura e frágil. Tudo se tornou mais complexo, mas acabou por me tornar numa pessoa mais analítica em relação a tudo.

É difícil “despir” as personagens e voltar a ser a Anabela?
Já tive feedback de alguns atores que não conseguem compreender que eu sinta essa dificuldade, mas tem a ver com os processos. Com o João Canijo, que me possibilita ir muito longe na construção das personagens, tem-se tornado bastante difícil. Viver três meses no bairro Padre Cruz para fazer o filme Sangue do Meu Sangue e deixar-­-me contaminar… Ele não quer que eu faça nada por imitação mas por contaminação e, para que isso aconteça, tenho de me colocar numa situação muito frágil, em que já não sou eu e tenho de deixar que os meus comportamentos se alterem. Quando sais do bairro tens uma determinada postura corporal e tiques na fala de que não tinhas consciência. E depois é a minha família que me chama a atenção. Já me aconteceu. Não posso ser cínica e dizer que as personagens são só as personagens e que chego a casa e volto a ser 100% eu. Nunca deixo de ser eu, mas…

Mas acha que é uma Anabela diferente por todas as personagens que já fez?
Sim, sem dúvida. Já me aconteceu representar algumas personagens que me deixaram completamente impune e é nessas alturas que me questiono se faz sentido eu estar no projeto. Eu estive no bairro Padre Cruz e em Caxinas, aquela experiência vai fazer parte da minha vida, portanto, eu mudei, já não posso ser a mesma.

É considerada uma atriz de método, mas a Anabela já disse que não se considera como tal. Também é metódica na sua vida?
Nada. Gostava de ser mais metódica. Eu acho que não existem métodos… Eu ainda não encontrei um método. Um método é qualquer coisa que está fechado.

Mas tem a ver com a completa submersão na personagem, que é o que a Anabela faz.
Pois. Mas nem sempre é possível. É impossível receber um texto num dia e interpretá-lo no dia seguinte, não há método para isso. Portanto, isto é um método que se aplica de vez em quando, principalmente com realizadores ou encenadores que tenham essa sensibilidade e te deem isso. O método nem sequer é meu. O método são oportunidades que algumas pessoas me têm dado para eu trabalhar de determinada forma.

E quando diz que não é nada metódica quer dizer o quê?
Não acredito muito nos signos, mas sou Peixes e uma vez por curiosidade fui fazer a minha carta astral e descobri que não tenho um único signo de terra. Sou sonhadora, não estou completamente encaixada neste sistema capitalista de acordar de manhã, ir trabalhar, chegar à noite a casa, ir dormir… Disperso-me facilmente e tenho dificuldade em focar-me e em concretizar as coisas.

E é possível manter uma relação amorosa saudável vivendo um ator um turbilhão de emoções?
Acho que depende essencialmente da pessoa que está contigo. Tem de ser alguém muito compreensivo e que, em certas alturas, não exija muito de ti. Talvez por nesse campo ser uma pessoa mais sozinha nunca estou com grandes âncoras cá fora. Estou sozinha há cerca de um ano, para mim é fácil ir para Caxinas e estar lá um mês. Não tenho nenhuma pressão amorosa de alguém a dizer: “Tenho saudades tuas, quando voltas? posso ir ter contigo?” Inconscientemente, facilita-me a vida e eu também não procuro ativamente ter alguém.

No passado disse que tinha abdicado da sua vida amorosa em prol da profissão e vejo que continua a relegá-la para segundo plano.
Durante muitos anos tive uma relação muito importante para mim, mas é um sufoco tão grande envolver-me numa relação amorosa e estar dependente emocionalmente de alguém que, se calhar, tenho deixado isso para segundo plano também por defesa. Tive poucos namorados na minha vida, não chegam a uma mão, e tive uma última relação que me marcou muitíssimo. Não houve um abandono, mas é sempre complicado quando estás a ver uma relação a chegar ao fim do espaço que a paixão pode ter. Isso é uma coisa que me perturba tanto, é um sentimento tão avassalador, que tenho medo. Talvez seja corajosa numas coisas em relação à minha profissão, mas a nível emocional se calhar sou cobarde. Tenho medo de me magoar. Como já sofri um pouco, tenho medo de me magoar e então nunca me ponho completamente nos braços de outra pessoa. Se calhar não abdiquei, mas para me salvaguardar mantive-me um bocadinho distante, não tive coragem de me entregar completamente.

Texto: Helena Magna Costa; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Manuela Costa; Maquilhagem e cabelos: Ana Celho com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel; Agradecimentos: Nuno Baltazar; Aldo e Nol Joalheiros

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