Sofia De Aguiar E Tomás Colaço
“Parece que a cultura é um capricho”

Famosos

Os pintores Sofia de Aguiar e Tomás Colaço abrem as portas da sua casa, em Lisboa

Sex, 22/11/2013 - 0:00

São pintores, casados, vivem entre Portugal e Marrocos e participam regularmente em exposições de arte no estrangeiro. Sofia de Aguiar e Tomás Colaço receberam a VIP na sua casa, de Lisboa, que é o reflexo de duas almas sensíveis às artes.

VIP – Vivem entre Lisboa e Tânger. Porquê?
Tomás Colaço – Perguntam-nos várias vezes o que fazemos em Tânger. Costumamos responder que fazemos o mesmo do que em Lisboa, mas lá. O nosso trabalho nasce em Lisboa, em Tânger, mas também no Rio de Janeiro, em Aix-en-Provence, em Cotonou ou em Londres. Temos vindo a criar uma espécie de nomadismo que nos permite consolidar os nossos projetos.

Sofia de Aguiar – As nossas viagens são sempre um misto de trabalho e de prazer. Nos últimos anos temos tido exposições em muitos outros países e as estadias em Tânger tornam-se mais espaçadas. Trabalhamos muito com um curador marroquino internacional e grande parte do nosso trabalho acaba por ser feito a partir de estadias mais ou menos prolongadas nos países em que temos exposições.

Precisam mesmo desta mudança?
TC – O arquiteto Raul Lino foi ter com o pintor Jorge Colaço a Tânger, onde este vivia. Depois dessa viagem, Lino diz que passou a perceber a arquitetura que se faz em Portugal. Acredito também que viver lá fora permite a descoberta dos pontos em comum e das diferenças com o que chamamos “outras culturas”.

A casa de dois artistas é diferente da maioria das pessoas?
SA – Curiosamente, creio que só as outras pessoas vêm essas diferenças. Para nós, a casa é profundamente banal, é a nossa. É claro que, no nosso caso, é aqui que acabamos por fazer muitas experiências visuais que depois utilizamos nas apresentações públicas e, por isso, a forma de habitar pode tornar-se, talvez, um pouco menos habitual. Em Tânger, tivemos uma banheira no terraço em frente a uma vista sobre a Europa, que acredito que não seja muito habitual…

Como caracterizam a vossa casa?
SA – Não é prática, não tem qualquer “conforto da vida moderna” e não estamos nada focados nisso. Com isto, acabamos por fazer a triagem das pessoas que frequentam esta casa e as outras que não voltam (risos).

Sofia, como define o seu trabalho?
SA – Creio que tenho um trabalho introspetivo, muito definido e fechado em si próprio. Trabalho muito questões de conflitos e ambivalências e funciono, normalmente, por séries. Gosto de esgotar os temas e pintá-los até à exaustão. Mas o meu trabalho não se resume apenas à pintura. Faço montagens, instalações, posso usar texto, fotografia, objetos, conforme cada projeto. As minhas últimas peças são vitrinas, por exemplo. A própria pintura é utilizada como instalação.

Tomás e o seu trabalho como pintor é…?
TC – Acabo por criar ambientes de uma forma teatral. Num museu de arte contemporânea, ou numa galeria White-Cube modernista, faço por modificar o espírito e criar um ambiente, eu diria, antimodernista. Pinto as paredes brancas, modifico todas as luzes, o chão e faço por apagar as referências originais, modificando a fruição do espaço. O museu pode passar a parecer um espaço vivido ou mesmo um espaço íntimo.

Há semelhanças entre a obra de cada um?
SA – Temos a pintura em comum, referências comuns, autores como Domingos Sequeira, Goya, Francis Alys, Mouna Hatoum, Matthew Barney ou Aston, entre muitos outros. São artistas com quem, de alguma forma, vivemos. Cada um de nós tem o seu trabalho individual que parte de conceitos diferentes. No entanto, é natural que, por vezes, haja alguma contaminação, uma vez que trabalhamos e vivemos juntos, aconselhamo-nos e partilhamos referências.

Sofia como começou a sua paixão pela arte?
SA – Como muita gente, sempre desenhei, pintei e escrevi com gosto, mas, na altura de escolher um curso, fiz uma licenciatura em Serviço Social. Trabalhei com realidades muito duras que me deram algum “estofo”. Já fui jornalista, fiz fotografia, fiz o curso de Pintura e o avançado de Artes Plásticas no Ar.Co e ainda aprendi um pouco de joalharia. Todas estas experiências se encaixam e são fundamentais para o meu trabalho de artista.

E no seu caso, Tomás, como decidiu que queria ser pintor?
TC – Nunca tomei essa decisão. Pelo contrário. Sempre evitei essa espécie de predestinação que me foi reservada pela minha família.

Acha que o meio familiar estimula esta sensibilidade?
TC – Tenho, ao que parece, 16 artistas na família, como as atrizes Amélia Rey Colaço e Mariana Rey Monteiro. Por isso, acaba por ser natural que eu pinte, mas gosto que se saiba que o que faço é muito mais o fruto do meu trabalho. Trabalho compulsivamente e muitas horas por dia. Ambos têm feito muitas exposições em Portugal e no estrangeiro.

É tão difícil singrar como artista plástico por cá, imagino lá fora…
TC – Lá fora tem sido fácil. Temos construído uma carreira de fora para dentro. Assumo o cliché de emigrante português que funciona muito bem e acaba por ser apreciado fora de Portugal. Talvez também por aumentar a escala de possibilidades.

Como tem acontecido exporem o vosso trabalho em França, Itália, Jordânia, Brasil, Benim, já para não falar de Marrocos?
SA – Tivemos um atelier em Tânger durante alguns anos e o nosso trabalho foi visto pelo Abdellah Karroum, curador e fundador do l’Appartement 22. Convidados por ele, integrámos várias exposições internacionais. Depois disso, apareceram outros convites, feitos por outros curadores que foram vendo o nosso trabalho. O facto de expor internacionalmente facilita a visibilidade.

TC – Depois de termos participado na Bienal de Veneza onde, curiosamente, representámos Marrocos num momento em que se dava a chamada Primavera Árabe, passámos, eu diria, a fazer parte dos “convidáveis” e, desde aí, temos convites para todo o mundo. Nova Iorque acaba por ser mais fácil do que Vila Nova de Cerveira e quando expus em Braga, no Museu Nogueira da Silva, senti-me mais honrado do que quando estava no Museu de Arte Contemporânea da Sicília, em Palermo.

Portugal tem apoiado as artes em geral e os artistas em particular?
SA – Já tivemos apoios da Fundação Calouste Gulbenkian e da DGArtes, mas, na grande maioria das vezes, somos nós que arranjamos maneira de trabalhar pelos nossos próprios meios. Os artistas, em geral, atravessam dificuldades enormes para poderem fazer livremente o seu trabalho. É uma profissão em que é preciso pagar para se trabalhar. Um artista, para existir, tem de mostrar o seu trabalho e os apoios são muito escassos. Às vezes, parece que a cultura é um capricho, como se pudéssemos viver assim, sem poesia…

Com a mesma profissão, existe concorrência entre ambos?
SA – Em Lisboa temos ateliers separados, ao lado do apartamento que habitamos. Por isso, conseguimos alguma paz (risos), mas às vezes acabamos por trabalhar em casa. Nada disso nos faz concorrentes. O entusiasmo de encontrar alguém que tenha pontos em comum é muito maior do que o pensamento de que alguém nos poderá tirar o lugar.

TC – Eu prefiro criar o meu próprio lugar. Não creio que tenha, aí, qualquer concorrência.

É difícil serem ambos pintores e partilharem o mesmo espaço quando estão a criar?
SA – O nosso é um trabalho solitário e, por vezes, é bom poder partilhar dúvidas e questões com alguém que percebe o que estamos a fazer.

São boémios, gostam de tertúlias ou de receber em casa?
TC – Em Lisboa, recebemos, neste momento, na Casa-Museu Isabel e José que é o nome que dei ao meu atelier por ter vivido aqui a escritora Isabel da Nóbrega e o escritor José Saramago. O espaço acaba por ser, exatamente, uma tertúlia. A Sofia gosta de isolar-se para trabalhar; eu, ao contrário, faço tertúlia. Falo muito sobre a escritora que viveu aqui e de quem sou um grande fã. Este lugar tem fantasmas de mais para que eu possa esquecer o que dizem estas paredes.

Há quem pense que um pintor ou um artista vive alheado da realidade. Concordam?
TC – A maior parte das outras pessoas vive alheada da realidade.

SA – Se chamarmos realidade a uma vida comezinha e banal, desinteressante e sem surpresas, com ideias pré-feitas alinhadas com as da vizinhança, vivemos, provavelmente, alheados disso mesmo. Tenho alguma dificuldade em receber o pre-estabelecido já digerido por alguém.

TC – Um exemplo? Um hotel de luxo. É um local onde não gosto de estar. Acredito que não é desenhado para mim. Aprecio mais um lindo casarão, com um grande jardim quase abandonado, num bairro fora de moda do Rio de Janeiro, do que outra coisa muito mais simples de usar.

O facto de serem pessoas muito viajadas influencia o vosso trabalho?
TC – Nós vivemos em cada sítio para onde vamos, ficamos lá durante meses, conhecemos as pessoas, parece que temos várias vidas. Tentamos voar o menos possível e ficar mais tempo em cada terra. Isso transforma o nosso trabalho de uma forma irreversível, creio. Criamos muitas raízes.

E influencia a vossa maneira de pensar?
SA – Deve influenciar, creio que nem damos por isso. Ganhamos o gosto de estar em Lisboa. Acredito que apreciamos muito mais a maneira de ser portuguesa, muito mais discreta, subtil e mais branda que não encontramos noutros lugares. Deve ser isso.

Texto: Alberto Madeira Miranda; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Romão Correia; Maquilhagem e cabelos: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel

Siga a Revista VIP no Instagram