Margarida Ruas
“Os mais novos vão mudar o Mundo”

Famosos

A ex-diretora do Museu da Água, vencedora do Prémio Femina 2011 e especialista em marketing político tem desenvolvido um trabalho pioneiro na divulgação do nosso património, o que lhe valeu a distinção com o Prémio Femina 2011. Margarida Ruas foi diretora do Museu da Água e contou com a ajuda da rainha Fabíola da Bélgica para salvar o Aqueduto das Águas Livres. Escreveu também o primeiro livro português sobre marketing político e acredita que as novas gerações estão mesmo a mudar o mundo.

Sex, 20/01/2012 - 0:00

 

Tem desenvolvido um trabalho pioneiro na divulgação do nosso património, o que lhe valeu a distinção com o Prémio Femina 2011. Margarida Ruas foi diretora do Museu da Água e contou com a ajuda da rainha Fabíola da Bélgica para salvar o Aqueduto das Águas Livres. Escreveu também o primeiro livro português sobre marketing político e acredita que as novas gerações estão mesmo a mudar o mundo.

 

VIP – Foi uma das vencedoras do Prémio Femina 2011 que distinguiu o seu trabalho nas áreas da cultura e do património. Sente que ainda é necessário existirem este tipo de prémios para destacar as carreiras das mulheres na sociedade portuguesa?

Margarida Ruas – Isso ainda é uma realidade comum neste mundo e no mundo ocidental. Claro que há ainda uma diferença, mas essa diferença desaparece todos os dias e é diluída. Penso que o futuro passa pela complementaridade. Acho que cada vez faz menos sentido falar nessa diferença, mas que ainda existe, é um facto.

 

Ultrapassemos então essas diferenças e falemos de exemplos de mulheres que a inspiraram…

Há várias. Há uma que refiro como um modelo e como uma força cultural imensa, que é Santa Teresa D´Ávila. E depois no nosso contemporâneo temos tantas. A Madre Teresa de Calcutá, uma senhora de grande despojamento, a Indira Gandhi, que era uma pessoa inteligentíssima. E depois tenho escritoras que me acompanharam. Gosto muito de Florbela Espanca, de Clarice Lispector. E a Marguerite Yourcenar, claro, uma escritora de exceção. 

 

No seu caso foi distinguida pelo seu trabalho em prol do património e da cultura. Concorda com a visão, penso que quase consensual, de que são áreas um pouco maltratadas no nosso país?

Sim, não são nada bem tratadas, por isso precisam sempre que se cuide delas, que alguém as preserve ou que se tenha uma atitude de intervenção e provocação muito grande. O passado, o presente e o futuro estão indelevelmente ligados, mas os seres humanos têm tendência para dividir. Temos de fazer o contrário, unir e não dividir. Só com uma simbiose entre presente, passado e futuro passamos a perceber que o património não representa apenas um símbolo do passado, mas é uma herança que nos cabe cuidar. Porque o património é também uma forma de construir novas memórias. Porque só sabemos para onde queremos ir se soubermos quem somos e quem queremos ser.

 

No Palácio das Necessidades, sede do Ministério da Cultura, há um jardim secular nas traseiras completamente ao abandono. Os responsáveis políticos não deviam dar o exemplo? Ou melhor, dar um outro exemplo…

Isso resulta de duas coisas terríveis para qualquer comunidade: a ignorância e a negligência. E uma provoca a outra. Quando não sabemos quem somos nem para onde queremos ir as coisas ficam despojadas do significado real que têm. Os grandes arquitetos, os mestres do Aqueduto das Águas Livres, faziam a melhor obra e a obra mais bela para que ela chegasse a Deus. E o belo, que para mim também é sinónimo do bem, alimentava as perceções do mundo.

 

Será que os estrangeiros têm esse sentido do belo mais apurado? Por exemplo, o Aqueduto das Águas Livres a certa altura parece que motivou maior interesse fora de portas…

Sabe que, em dado momento, quando o Aqueduto das Águas Livres esteve ameaçado de demolição, a opinião pública internacional teve uma intervenção muitíssimo forte. Eu dou sempre como exemplo, com muito respeito e gratidão, a vinda da rainha Dona Fabíola da Bélgica propositadamente para chamar a atenção da opinião pública de que não era aceitável que o aqueduto fosse mutilado. E foi curioso que a rainha, que é uma senhora de grande cultura e generosidade, quando entrou nos corredores das nascentes em Belas parecia uma criança de alegria e contentamento e disse-me: “Nunca vi na minha vida uma simbiose tão perfeita entre os elementos da Natureza e os arquitetónicos.” E em dado momento tirou da carteira um caderno e um lápis e acrescentou: “Agora é que estou verdadeiramente a aprender.”

 

De onde vem esse seu fascínio pelo elemento água?

A água é um elemento primordial de união e omnipresente no nosso corpo e no Planeta. A água tem todas as características de um símbolo universal e tem contida em si todas as formas de vida possíveis. É luz, recebe e reflete a luz, é vida, é também morte, porque vida e morte são indissociáveis… Aliás, nem sei como é que de vez em quando ousamos separá-las. A água contém todas as características de vida e de morte do universo.

 

Apesar dessa paixão pela água, tem origens beirãs, o que faz de si uma pessoa também muito ligada à terra…

É verdade que tenho uma ligação muito forte também ao elemento terra. Nasci em Coimbra, vivi 15 anos em Oliveira do Hospital e, se é verdade que gosto imenso do mar, também é verdade que não posso viver sem a energia que a terra nos transmite. Porque vivia em Oliveira do Hospital tive a sorte de passar muitas férias de verão na serra da Estrela. E há ali uma energia e uma força verdadeiramente notáveis.

 

Foi também a primeira pessoa a fazer um trabalho académico e a publicar um livro sobre marketing político. Como nasceu esse interesse?

Na universidade fiz uma pequena tese sobre Hollywood como um microcosmos da sociedade norte-americana. E percebi que através do sistema de estrelato era possível fabricar e destruir heróis através da persuasão. E também tomei consciência de que havia uma dimensão de manipulação. Então, fiz a extrapolação desse sistema de estrelato para a comunicação política. E escrevi o livro numa perspetiva ética que deve ser a arte da persuasão.

 

Quando os políticos nos dizem coisas como “não é preciso renegociar a dívida, mas são necessários ajustes a essa dívida” estão a persuadir ou a manipular através das palavras? Como é que se manipula?

Com palavras. Eu tenho opinião de que não é fácil para este governo lidar com o peso que herdou, mas também acho fundamental que as instituições sejam rejuvenescidas. Tem de ser a gente jovem a recriar os mecanismos e há neste momento claramente uma mudança de geração. 

 

Mas um político não pode simplesmente dizer a verdade?

Não pode, deve. A atitude que este governo tomou no início, de explicar a situação, tem de manter-se permanentemente. Tem de dizer “claro que a dívida tem de ser negociada”. E tem de dizer porquê.

 

Citou as novas gerações. O que acha dos jovens, que a Imprensa designou “indignados”, que têm enchido ruas em Madrid, Atenas, Roma, Londres e mais recentemente até em Lisboa?

Que bom! Acho que é uma dádiva que as novas gerações tenham tomado consciência de que os modelos que estavam a ser utilizados faliram. As gerações mais novas deram-se conta disso e são eles que vão mudar o mundo… Estou encantada de poder viver este período. Apesar de ser um momento difícil, tenho uma alegria imensa de poder assistir a esta grande mudança. Porque é uma das maiores mudanças e mais profundas dos últimos tempos.

 

Está otimista então para o futuro…

Claro que sim. As novas gerações quando estiverem mais cimentadas, mais maduras, quando tudo estiver um pouco mais tranquilo, vão mesmo a mudar as coisas.. Porque estes modelos são completamente obsoletos. E, apesar de algumas angústias, que bom que é poder estar a assistir a este momento.

 

Texto: Nuno Costa; Fotos: Liliana Silva; Produção: Manuel Medeiro; Cabelo e maquilhagem: Tita Costa com produtos Maybelline e l´Oreal Professionnel

 

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