Karima Benyaich
“O Atlântico separa-nos mas também nos une”

Famosos

Mulher, mãe de duas filhas, divorciada: a embaixadora de Marrocos revela um país diferente
Para quem não conhece o moderno reino de Marrocos, a embaixadora do país em Portugal é uma surpresa. Comunicativa e dona de fortes convicções, Karima Benyaich, de 49 anos, é uma firme defensora da aproximação entre os dois países pela via do conhecimento e da cultura.

Dom, 01/08/2010 - 23:00

Para quem não conhece o moderno reino de Marrocos, a embaixadora do país em Portugal é uma surpresa. Comunicativa e dona de fortes convicções, Karima Benyaich, de 49 anos, é uma firme defensora da aproximação entre os dois países pela via do conhecimento e da cultura. Nascida no círculo reservado da corte marroquina, sofreu o assassinato do seu pai aos dez anos de idade. Fadel Benyaich, médico do rei Hassan II, morreu aos 37 anos às mãos dos golpistas que tentaram matar o rei. Karima, a mãe – espanhola convertida ao islamismo – e os irmãos ganharam uma especial protecção da família real e a sua nomeação por Mohammed VI  é sinal de uma aposta forte do reino em Portugal. O facto de a representante de um país islâmico ser uma mulher divorciada e mãe de duas filhas é revelador da revolução social que Marrocos atravessa e que tem grande visibilidade no campo dos direitos das mulheres. Uma economia que este ano cresceu cinco por cento e que, só no sector da construção, já atraiu 156 empresas portuguesas, faz pensar que as reformas que o monarca iniciou são sustentáveis. Na semana em que se assinala o Dia de Marrocos – 30 de Julho é a Festa do Trono – a VIP dá-lhe a conhecer Karyma Benyaich.

VIP – Quais são os principais pontos comuns entre Portugal e Marrocos?
Karima Benyaich – Desde logo, Lisboa é a capital mais próxima de Rabat e Rabat é a capital mais próxima de Lisboa. Há ainda um legado histórico comum com influências árabe-marroquinas em Portugal durante séculos e que se traduziu na riqueza da nossa língua, na qual encontramos mais de três mil palavras árabes. Depois, há a influência portuguesa na costa atlântica marroquina que se verifica na vida e no dia-a-dia dos povos. Encontramos este património no nosso dia-a-dia, na nossa cozinha, na utilização de alguns alimentos, na música, nos monumentos, nas roupas de épocas, na arquitectura e em tantas coisas que nos unem e testemunham estas trocas humanas.

No dia-a-dia notou muitas diferenças na maneira de viver?
Cheguei a Lisboa e não me senti fora do meu país. Claro que há diferenças: nós somos um país árabe, africano e muçulmano e vocês são um país europeu, ibérico e lusófono. No entanto, apenas o Atlântico nos separa. Também nos une, porque o único vizinho não europeu que Portugal tem é Marrocos. Vocês são abertos e tolerantes, como nós. Vocês são um povo de diálogo e nós somos também.

E o que é que os dois países têm a ganhar com uma maior aproximação?
Quando esteve na Presidência da União Europeia, Portugal apoiou o nosso estatuto de parceiro avançado. Marrocos é o único país não europeu que beneficia deste estatuto avançado, a um passo entre a adesão e os acordos de cooperação. Portugal é também uma plataforma importante para o mundo lusófono e nós somos uma plataforma para o mundo árabe-mulçumano e africano. Em conjunto podemos construir um espaço mais solidário e mais securitário.

Qual o papel da cultura nesta relação entre os dois países?
A cultura é um factor de desenvolvimento. A cultura é muito importante para a aproximação dos povos. Através de um melhor conhecimento mútuo há uma maior compreensão do outro. Ao nível político, podemos felicitar­-nos pela boa qualidade das relações políticas. Há um mês e meio realizámos em Marraquexe uma reunião de alto nível, que se traduziu na assinatura de diversos acordos de cooperação entre o nosso rei e o vosso primeiro-ministro. Por outro lado, em menos de dois anos passámos de um voo três vezes por semana entre Casablanca e Lisboa para três ou quatro voos por dia e três voos por semana entre Lisboa e Marraquexe, o que demonstra bem o desejo dos portugueses e dos marroquinos de se conhecerem melhor. Apesar da crise, Marrocos oferece boas oportunidades de trabalho para as empresas portuguesas. Queremos também ter acesso ao conhecimento dos portugueses nos domínios em que estão muito avançados, sobretudo ao nível das infra-estruturas e das energias renováveis.

Parte do seu trabalho aqui tem sido feito a nível regional e junto da chamada sociedade civil.
Sim, acho que a nossa sociedade civil deve conhecer-se melhor e aumentar as trocas. Em Marrocos há um grande número de ONGs ligadas aos direitos do homem, da mulher, do ambiente, da cultura, etc. Tem havido também trocas de visitas de ministros: ainda esta semana recebemos a visita da ministra da Energia marroquina, que se encontrou com o seu homólogo português. Em Setembro há uma agenda importante com a vinda a Portugal de um grande número de ministros de diversos sectores. A cooperação descentralizada é também muito importante hoje em dia, em que há novos actores no desenvolvimento. A geminação entre diversas cidades e câmaras, por exemplo, joga um papel importante e complementar ao dos governos. 

O facto de uma mulher divorciada ser embaixadora do seu país é um sinal da mudança grande ao nível dos direitos das mulheres.
A mulher marroquina tem conhecido, nestes últimos  anos, mudanças muito importantes e nisso há que reconhecer o papel de Sua Majestade Mohammed VI, que criou um comité de homens de lei e da religião para defender os direitos da mulher e desde 2004, graças ao Código da Família, a mulher tem maioridade e co-responsabilidade. Hoje em dia, encontra mais de dez mulheres na diplomacia, como embaixadoras, o rei tem uma conselheira, há mais de oito mulheres ministras, dez por cento dos deputados são mulheres e nas eleições comunais em Junho de 2009 passou de 0,5 por cento para 15 por cento. Temos mulheres pilotos, mulheres coronéis do exército, jornalistas… Isto deveu-se também ao combate das mulheres.

Imagina o seu futuro na política?
Gosto do meu trabalho e fiquei muito honrada com a confiança que foi colocada em mim para defender e promover os interesses do meu país num país magnífico como é o vosso. Tenho também uma grande paixão pela sociedade civil e pelas actividades associativas. Presido a uma associação para crianças abandonadas e ao Festival Voz das Mulheres de Tetuão. O meu futuro está à disposição do meu país. É claro que temos problemas, mas a nossa geração constata grandes avanços, tanto ao nível das infra-estruturas como dos direitos do homem e da mulher e tudo isto é reconhecido pelas instâncias internacionais. 

Tem duas filhas. O que deseja para elas?
Desejo que sejam felizes, claro, e que cada uma delas possa escolher a sua voz.

Sente que são livres de o fazer?
Sim. São livres de o fazer e de escolher o seu destino. Hoje em dia, todas as mulher marroquina são livres de fazer as suas próprias escolhas.

Texto: Cristina Ferreira de Almeida; Fotos: Luís Baltazar

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