Io Appolloni
“Nunca nada me foi dado de bandeja”

Famosos

Sex symbol dos anos 80, a atriz fala sobre o percurso trilhado a pulso

Qui, 09/08/2012 - 23:00

 A eterna italiana recebeu-nos em casa, ao som da ópera Messiah, de Handel. Artista completa, representa, canta, escreve e garante ter muito para dar… Assim a deixem. Frustrações, só uma: ainda não ser avó.

VIP – Foi através de uma reportagem na revista Plateia que veio para Portugal.
Io Appolloni – Sim, fui contactada para fazer uma peça de revista em Lisboa. Tinha feito o conservatório e estreado em Roma, mas é nas tábuas que se aprende. A ideia era vir para Lisboa, adquirir experiência e depois voltar para Madrid.

Em Madrid já estava a trabalhar?
Sim, já tinha feito o filme Louca Juventude, com o Joselito, estreei-me como cantora no casino de Gibraltar, fiz outro filme com o Juan Bardem, pai do Javier, e umas atuações sem importância para televisão, mas gostava muito de Madrid.

Quando percebeu que queria ser artista?
Tinha 16 anos. O meu irmão disse-me que se queria ser atriz tinha de estudar. Fui prestar provas no Centro Experimental de Cinematografia. Naquele ano eram 4000 concorrentes para 20 lugares e eu fiquei em sétimo. Além do mais, recebíamos para estudar, 30 mil liras na altura.

Como foi de Roma para Madrid?
Em 1963, quando acabou o curso, tivemos como prémio ir ao festival de Cinema de Veneza. Foi uma experiência fabulosa. Houve um espanhol, Cesário Gonçalves, que era produtor do Joselito, da Lola Flores e da Sarita Montiel, que me quis contratar para fazer um filme com o Joselito.

Na altura ele já era uma estrela.
Era uma vedeta… Já estava a mudar um pouco a voz, mas era bom ator e o filme tinha conteúdo. O filme tinha de ser feito em 20 dias e acabou por demorar três meses. Tinha 18 anos, carro à disposição, hotel de cinco estrelas e sem os pais… fiquei por lá. Até a reportagem sair cá.

Apaixonou-se pelo Joselito.
Éramos dois putos a brincar aos amores. São aqueles flirts, sem intenção de casamento.

E em 1965 veio então para Portugal.
Sim, para a revista Sopa no Mel que foi um grande sucesso. Depois convidaram-me para fazer outra. Entretanto, comecei o relacionamento com o Camilo de Oliveira.

Nunca pensou que fosse ficar por Portugal?
Não. Voltei a fazer revista em Madrid, mas entretanto já tinha começado a relação com o Camilo. Gastámos um dinheirão em telefonemas (risos). De vez em quando ele ia visitar-me e uma das vezes deixou-me uma “prenda” na barriga. Ficámos em dúvida se avançaríamos com a gravidez. Tivemos medo, eu era muito nova, tinha 23 anos e ele 40. Mas decidimos ter o filho, o Cami. Vim para Portugal e comecei a criar raízes.

Como começou a relação com o Camilo de Oliveira?
Mal cheguei a Portugal, ele estava à minha espera no aeroporto e fez-me logo uma “carinha” (risos). Ele era casado, portanto não foi uma coisa pacífica. Com o Camilo tive a minha grande descoberta do sexo, mas é uma pessoa um bocadinho leviana. Foi pena, achava que era um homem para toda a vida, mas a determinada altura há certas situações que não se aguentam mais.

Depois da separação continuaram a trabalhar juntos?
Os três anos seguintes foram difíceis. Ainda fizemos outra peça juntos, houve muitas chatices, mas com o passar do tempo as coisas apaziguaram felizmente, também porque eu não sou rancorosa, nem vingativa.

O que achou de Portugal quando chegou?
Muito provinciano, mas tenho um espírito muito camponês e isso dava-me conforto. Nem dava conta do que era o fascismo. Depois dei…

Em que situação?
A mulher do Camilo fez queixa a alguém e eu tive 48 horas para sair do País, por desencaminhamento de um homem casado.

Ele ainda vivia com a mulher?
Ainda estava em casa, mas depois foi viver para um quarto. Nunca mais me vou esquecer disso na minha vida. O relacionamento comigo era tão a sério que já não dava para viver com a mulher, mas ao mesmo tempo não dava para viver comigo porque havia problemas para resolver. Havia uma grande sinceridade nos afetos entre nós. A mulher ficou-lhe com tudo, até com a conta bancária!

Entretanto, continuava com vários projetos em Portugal. Quer falar-me sobre uma célebre cena de nu num chuveiro?
Isso já foi em televisão, quando filmámos o Socorro Sou Um Mulher de Sucesso, mas já tinha aparecido em nu integral em Guilherme e Marinela, em 1978, que era assumidamente uma obra antimachista. No Vison Voador dava a ilusão de estar nua, mas não estava. Tinha um pudor enorme, que não passa pela cabeça de ninguém… uma vergonha. Portanto, sempre me protegi o melhor que consegui nessas situações.

Nessa altura era uma estrela?
Não, fui duas estrelas. Uma no período do sex symbol, a outra (mais a ver comigo), no período da emancipação da mulher. Através dos meus espetáculos passava mensagens às mulheres. Não se pode dizer que fossem altamente populares, eu questionava, fazia pensar, e como os apoios estatais não existiam, via-me obrigada a ser empresária, produtora, mulher da limpeza, atriz, encenadora. Na minha vida saiu-me sempre tudo do pelo, nunca nada me foi dado de bandeja, trabalhei para isso. De facto, não devo nada a ninguém.

Só não teve os homens que não quis?
Não exatamente, porque nunca fui uma mulher livre e isso foi muito bom para mim. E nunca fui leviana, nunca gostei da conquista. No palco era a atriz, mas como mulher nunca usei a sedução porque sempre achei uma coisa perigosa. É brincar com coisas sérias. Claro que tive de me defender muito. Toda a gente me conhecia, era de facto uma mulher muito bonita, mas seja como for foram poucos os períodos em que era livre. Tentei sempre ter um comportamento que não me envergonhasse. Não digo que não tenha feito asneiras. Hoje em dia, com a idade que tenho, não faria algumas coisas ou não teria relacionamentos que tive, porque foram frustrantes, nunca me senti bem amada.

Amou muitas vezes?
Sempre estive apaixonada pelos meus homens. É por isso que não me posso arrepender, porque amei muito, mas fui mal-amada. É pena, mas foi assim a minha vida. Amei muito. Os quatro, foram todos grandes paixões.

Como foi o nascimento do primeiro filho?
(Sorriso rasgado)… O Cami! Já lá vão 43 anos. Tive complicações gravíssimas e ia morrendo, não morri porque tinha 24 anos. Mas não estava preparada para ser mãe. O primeiro momento foi de deslumbramento, mas depois aconteceu tudo numa altura de muito trabalho. Não se pode dizer que lhe tenha dado todo o apoio.

E o da Rossana, como foi?
Foi o dia mais feliz da minha vida! Tinha 34 anos e pari uma maravilhosa criatura de quatro quilos. Depois, o Bruno, a criança mais desejada deste mundo… não sei se foi pela idade, já tinha 38 anos, e pressentia que não ia ter outro filho, porque me dava pessimamente com o pai. Ele não me deixava respirar, morria de ciúmes, mas eu desejava aquele filho como a água. Quando a maternidade é assumida em pleno, deixa-nos poderosas. Os meus filhos são as minhas obras-primas, nunca me deram desgostos e parece que foram compensatórios das relações amorosas que foram um bocadinho tumultuosas.

Chegou a casar-se alguma vez?
Sim, com o António Reis. Estivemos casados dez anos, mas não tivemos filhos. Foi a minha última relação.

A 19 de março de 1975 adquiriu nacionalidade portuguesa.
Sim, fui eu que pedi! Agora estou a pedir que me devolvam a nacionalidade italiana e está a ser complicado.

Está quase nos 50 anos de carreira…
E em Portugal. Sinto-me, nesta altura, com uma grande maturidade artística e não posso dar vazão às ideias que tenho. Mas as dificuldades são generalizadas. Não é só aqui. Em outubro devia voltar a Itália com a peça Stasera Arsenico e não está nada decidido por falta de verbas.

Como foi voltar a representar no país onde nasceu, 49 anos depois?
Foi muito bom! Voltar a trabalhar no país natal tanto tempo depois é obra. O meu espetáculo Poemas na Minha Vida, que é por excelência italo-português, tinha todo o cabimento de lá ir e até agora não consegui, mas também ainda não perdi a esperança, até porque é intemporal.
Continua a ser tudo muito difícil.
Sempre! A única coisa que não “arranquei a ferros” foi o livro, Os Doces da Io. Aí correu tudo às mil maravilhas.

Nunca pensou que a sua vida passasse pela culinária?
Se alguém me dissesse que ia fazer um livro sobre doces não ia acreditar. Depois de fazer o Socorro Sou Uma Mulher de Sucesso senti que não tinha medo de fazer mais nada, porque foi um êxito e era muito completo. Toma, dois anos desempregada! Para um artista, um criativo, estar tanto tempo sem fazer nada, começa a definhar. Que amor/ódio por esta profissão! Os governantes deviam ter mais consideração pelos artistas, porque a instabilidade psicológica é enorme.

É então que aparece o tiramisu da Io.
Sim, decidi dar a conhecer o meu tiramisu. Eu fazia as compras, o produto, entregava, arranjava os clientes, mais uma vez era eu que fazia tudo. Parti do zero e durante 22 anos foi assim. Continuo a dizer, onde ganhei dinheiro foi com os doces, não foi com o teatro.

Mas também fez televisão.
Sim, mas não muita, por causa do sotaque. O sotaque era desculpa para muita coisa. Tenho impressão que comecei a produzir os meus espetáculos para mostrar que conseguia comunicar com o público.

Está sozinha há 17 anos. Não sente falta de um aconchego?
Claro que sim, tenho pena de não poder partilhar aquilo que tenho, mas antes só, que mal acompanhada e não ando à procura de marido. Gostava de encontrar uma pessoa que me amasse, mas vivo bem comigo e hoje tenho uma grande autoestima. Não sei o que é a solidão!

Há uns anos fez uma plástica…
Adorei. Senti-me maravilhosamente bem, tirou-me dez ou 15 anos de cima. O resultado foi em cheio, porque não alterou nada à minha cara.

Olha para o passado com saudades?
Fiz o que pude e o que me deixaram e o importante é estar bem comigo. Tenho 67 anos, já mereço a minha reforma, que é uma boa porcaria, mas enfim, já mereço ter uma vida mais descansada. Mas sinto que poderia fazer várias coisas, vamos ver se consigo.

Tem projetos?
Tenho! Uma peça com o Carlos Avilez e a Guida Maria, no Teatro de Cascais, tenho outra escrita pelo Tito Lívio e tenho os Poemas na Minha Vida que não vou abandonar de maneira alguma. Portanto, eu ideias tenho, mas concretizá-las não depende apenas de mim.

Voltando ao seu negócio com os doces. Fechou a sua empresa…
Foram 22 anos de trabalho frutífero. Cresci muito e poderia dar aulas de gastronomia em qualquer lado. Fui aguentando, mas chegou uma certa altura em que disse “acabou”.

Como nos casamentos.
(Risos) Tal e qual. Mas já não podia mais. Durante estes 22 anos o pior foi arranjar pessoal. Falta de profissionalismo, maldade, inveja, desonestidade. Apanhei com tudo e aguentei-me estoicamente. Tratei-os sempre bem, mas há comportamentos que não merecia e quando dei conta que estavam a falsificar o meu tiramisu, a minha imagem de marca, foi demais.

Deliberadamente?
Sim. É como se me tivessem tocado num filho. Nem queria acreditar e ainda estou a fazer o luto.

O que falta fazer?
Como diria Fernando Pessoa “o importante não é viver, é criar”. A minha finalidade é sentir-me útil de alguma maneira. Posso dar aulas de ioga, teatro, doçaria e não só. Agora, infelizmente, não posso criar tomates, porque as hérnias não me deixam, mas já me sentia satisfeita porque adoro trabalhar a terra.

Netos ainda não tem?
Essa é a única frustração da minha vida. E só tenho uma saudade: dos meus filhos quando eram pequeninos. O que eu dava para tê-los novamente assim.

Texto: Carla Simone Costa; Fotos: Paulo Lopes; Maquilhagem e cabelos: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Profissional; Produção: Romão Correia

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