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“Neste momento estou num ponto alto da carreira”

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LÍDIA FRANCO viaja pelos seus 50 anos de teatro que culminam agora com um Emmy
Aos 66 anos, Lídia Franco conta com cinco décadas de carreira que se repartem pela dança e pela representação.

Sex, 21/01/2011 - 0:00

 Aos 66 anos, Lídia Franco conta com cinco décadas de carreira que se repartem pela dança e pela representação. Apesar dos trabalhos marcantes em que participou, a actriz acredita que o ponto alto é aquele que ainda está para vir. Tal como as personagens que encarnou ao longo dos anos, nos palcos e nos estúdios, Lídia Franco é a protagonista de uma história de vida preenchida por momentos marcantes e apenas um lamento…

VIP – Fez, recentemente, 50 anos de carreira…
Lídia Franco – Costumo dizer que carreira, em Portugal, tive durante muito tempo, o "15" e o "58", pois morava para os lados de Benfica (risos). Realmente, não sei a data exacta, porque comecei por ser bailarina e só entrei para o teatro mais tarde, por volta dos 30 anos. Não sei datas certas e neste momento estou a celebrar o Emmy (risos).

Já lá vamos. Antes do 25 de Abril tinha uma relação especial com o teatro. Como recorda esses tempos?
Era uma espectadora assídua, até porque a minha avó era directora de um teatro, algo que fez com que conhecesse os grandes actores da época, na sua casa. Quando ela precisava de uma criança para peças feitas na antiga emissora nacional, às vezes era eu a escolhida. Enquanto espectadora, lembro­-me que os teatros eram muito mais do que são agora, estavam sempre cheios com óptimos espectáculos e actores. Dessa época para cá, os teatros têm sido destruídos e substituídos por bancos. E, agora, está aí a crise…

Consegue escolher um ponto alto ao longo destas cinco décadas de vida artística?
Espero que o ponto alto seja aquele que ainda está por acontecer. Neste momento, estou num ponto alto, do qual ainda não desci, que é a conquista do Emmy. Costumo dizer que sou uma sortuda porque nunca recebi nenhum daqueles prémios que se dão aos amigos, a fingir que são prémios verdadeiros. Até mesmo as comendas que os senhores Presidentes têm dado, tenho a sorte de nunca ter recebido nenhum desses prémios. Agora, tive a sorte de receber um que está acima de todas as dúvidas. Como actriz tento melhorar sempre, evoluir e descobrir­–me. Costumo fazer aulas porque o actor tem como instrumento de trabalho o seu próprio corpo e tem de exercitá-lo, tal como a voz. Espero conseguir ir sempre melhorando.

E há algo menos positivo?
No início da minha carreira. Comecei a minha formação na Escola de Ballet do Teatro Nacional de São Carlos. Fiz parte da Companhia Nacional de Bailado, da Gulbenkian, depois fui para Bruxelas e por volta dos 30 anos voltei para Portugal. Deixei de dançar e tive de fazer a reciclagem para o teatro. Fui uma autodidacta, fiz cursos em Londres e em Paris. Quando me estreei era tão má, mas tão má, que pensei que já havia canastrões suficientes e que não queria ser mais uma. Jurei a mim própria que ia dar-me mais uma oportunidade e que se não a conseguisse superar, desistia.
Acabou por não desistir…

Consegui, graças à direcção de um grande encenador. A partir daí consegui evoluir.
Se voltasse atrás, mudava algo?
Não. Já pensei de outra maneira, mas com a idade vamos aprendendo alguma coisa (risos). Acho que não se pode mudar nada, pois não estaríamos aqui se o passado tivesse sido diferente.
Participou em trabalhos marcantes. Sente que Portugal reconhece o seu talento?
Neste momento, sinto que Hollywood reconheceu o trabalho extraordinário dos actores portugueses que fazem milagres nas condições que trabalham. Gostaria que em Portugal se fosse acreditando em nós próprios e que se acreditasse que só se consegue algo com trabalho. Acredito que há muitas pessoas que gostam do meu trabalho e felizmente que há muitas que não gostam. Agradar a gregos e troianos se calhar não é bom sinal (risos).

Recentemente, lotou salas com o monólogo Óscar e a Sr.ª Cor-de-Rosa, que conta a história de uma criança que está a morrer de leucemia. É um tema complicado?
A melhor coisa que há para um actor é ter a sala lotada. Aparentemente, pode pensar­-se que a peça é um dramalhão porque se passa num hospital pediátrico com crianças que estão doentes. Mas não é assim. É uma peça cheia de humor e vitalidade, um verdadeiro hino à vida. É um ensinamento.

É um balão de oxigénio para os dias difíceis que se vivem em Portugal?
Sim, absolutamente. Escolhi este texto pela sua beleza e não sabia que ia agradar tanto aos próprios médicos e enfermeiros. Já fiz espectáculos inseridos em acções de formação para a classe médica porque acreditam que podem aprender muito com este espectáculo.

O que sente quando está no palco e faz uma pessoa emocionar-se?
Não há nada melhor. É um acto de amor, é uma comunhão. Na televisão, a única reacção que podemos ter é a do câmara. Se ele reage é porque está a acontecer algo (risos).

E agora vamos falar sobre aquele que diz que é o seu momento alto. Meu Amor, a novela portuguesa que conquistou o Emmy, tem a sua participação. Fez de vilã e o seu desempenho foi muito elogiado. Tudo isto dá um encanto especial ao seu trabalho?
Todos os actores trabalham para que gostem deles. A base de tudo é o texto e o trabalho dos técnicos é fundamental, mas tudo passa pelo trabalho dos actores. Nesta novela, os actores estiveram todos muito bem.

Gostou de fazer de vilã?
Gostei. Tinha de mexer em energias muito negativas, algo que nunca tinha feito. Foi mais uma aprendizagem, bastante esgotante nesse aspecto.

O que se segue no seu percurso?
Já tenho uma peça de teatro confirmada para este ano. Chama-se Sangue Jovem, passa-se com três mulheres de meia idade e será dirigida pela Beatriz Batarda. Serei eu, a Elisa Lisboa, a Teresa Faria e um jovem chamado Romeu Costa. Vai estar em cena no Centro Cultural de Belém.

E no cinema?
Participei numa longa-metragem do realizador Jena Sagols. Chama-se Moi, Bernadette, J´ai Vu! e foi realizada em Portugal.

Sei que foi convidada para dar aulas de Teatro, algo que nunca tinha feito…
É verdade. Será nos meses de Fevereiro, Março e Abril, na freguesia de Benfica. Nunca quis dar aulas, mas insistiram muito e vou tentar passar o pouco que sei e a minha experiência.

Fica nervosa quando pensa em si enquanto professora?
Sim. Nunca quis dar aulas porque acredito que para o fazer, não basta saber. Há grandes professores que não são bons praticantes. Vou tentar passar aquilo que sinto e aquilo em que acredito. O teatro não se ensina. O que se pode fazer é descobrir aquilo que as pessoas já têm e trabalhar. Fazer a ginástica das emoções, do corpo e da voz.

O seu nome esteve sempre associado à sua beleza. Em alguma fase da carreira viu isso como um problema?
Sou de um tempo "pré-histórico" em Portugal em que, se uma mulher fosse bonita, era imediatamente conotada com a estupidez e só lhe davam papéis desinteressantes para fazer. Felizmente, as coisas já não são bem assim. Antes não gostava que falassem da minha beleza. Agora é que gostaria (risos).

Nunca pensou: “Estou farta e já fiz o que tinha a fazer?”
Não, pelo contrário. Um actor tem de tentar evoluir até ao fim. Entre o ballet e a representação tive vários empregos, mas o que tentei, enquanto actriz, foi ter algo para os tempos de vazio de trabalho. Isso não resultou por várias razões. Um artista que quer estar sempre a melhorar não pode fazer mais nada se não isso. No meu caso, aproveito os tempos parados para fazer aulas, ler, ver outros artistas e frequentar boas exposições. É o que sinto.

É curioso que diga isso quando se vê muitas pessoas que julgam saber tudo após o primeiro papel na representação.
Mas é fundamental e estou a falar de actores e não dessas pessoas. Um bailarino até deixar de o ser, passa o dia agarrado à barra, pois se não tiver a técnica não pode transmitir as emoções. Com os pianistas e os pintores passa-se o mesmo. No caso dos actores é o corpo, a voz e a ginástica das emoções.

Saiu de Portugal aos 16 anos. Essa decisão foi importante para a sua formação enquanto pessoa?
Claro, aprende-se sempre. Sobretudo naquela altura em que Portugal era muito fechado. Estávamos todos amordaçados por um analfabetismo colectivo. Nessa altura estava na Escola de Ballet do Teatro São Carlos e alguns alunos receberam uma bolsa de estudo e passámos três meses em Paris com os maiores mestres do ballet.

Foi complicado afastar-se da família?
Não, foi óptimo. Foi uma aventura.

A nível pessoal, ter sido mãe apenas uma vez é o seu maior lamento?
Sim. Acho que devia ter tido muitos filhos. Não calhou e tive um que vale por muitos. É um grande cientista.

Para quando um neto?
Estou à espera de netos, mas ele é um grande cientista e tem pouco tempo para isso. Mas continuo à espera.

Foi uma mulher de muitas paixões ou de poucas, mas intensas?
Tive muitas paixões.

Está com o seu marido há 20 anos. Qual é o segredo?
O segredo é quando se descobre que não é só paixão. Porque a paixão voa como um passarinho e o amor não. O amor é para sempre.
No início da sua relação teve de lutar contra o estigma de ser um homem 15 anos mais novo?
Ninguém nota (risos). As pessoas falaram disso e nós ficámos espantados porque nunca tínhamos pensado nisso. A primeira coisa que lhe disse foi a minha idade. Ele ficou de boca aberta. Se notássemos essa diferença era porque não nos estávamos a entender bem. Nunca notámos e em algumas coisas ele sempre foi mais velho do que eu (risos).

Tem medo do avançar da idade?
Até agora sempre lidei bem, porque são mais os prós do que os contras. Mas, é óbvio, que ninguém gosta de envelhecer. Se, lá fora, as grandes actrizes se queixam que vão escasseando os trabalhos, em Portugal, se calhar, ainda é pior. Até agora, a coisa deu-se. Embora nunca tenha feito uma plástica, gosto de dizer a minha idade para ver a reacção das pessoas. Costumam dar-me dez anos a menos, o que me permite fazer papéis mais novos e contracenar com personagens que na realidade têm menos dez anos.

Nunca teve a tentação de ceder à estética para retardar o envelhecimento?
Não. Tenho medo, prefiro guardar as cirurgias para a saúde. Tenho medo de perder a expressão, o mais precioso que um actor pode ter, e ficar postiça. Preciso de ser cada vez mais eu.

Tem a ver com a máxima que diz que cada ruga e cada traço do rosto conta uma história?
Talvez, embora tenha a sorte de não ter tantas rugas como histórias (risos).

Texto: Bruno Seruca; Fotos: Bruno Peres; Produção: Manuela Costa; Maquilhagem: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L’Oreal Professionnel;

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