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“Nasci para ser mãe e para proteger” diz MARGARIDA MARTINS

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A presidente da Abraço revela à VIP porque decidiu emagrecer 77 quilos e fala da filha LEONOR e dos sonhos que persegue
Aos 57 anos, Margarida Martins pode orgulhar-se de já ter feito um pouco de tudo. A temida orteira do mítico bar Frágil, local de romagem dos visitantes do Bairro Alto nos anos 80, dedica-se há 19 anos à associação que criou para combater a discriminação e apoiar os doentes de HIV e as suas famílias. Recentemente, descobrimos a sua paixão pela fotografia, que usa como terapia contra a solidão e a frustração de não conseguir resolver os problemas à velocidade que queria.

Sex, 05/11/2010 - 0:00

 Aos 57 anos, Margarida Martins pode orgulhar-se de já ter feito um pouco de tudo. A temida
porteira do mítico bar Frágil, local de romagem dos visitantes do Bairro Alto nos anos 80, dedica-se há 19 anos à associação que criou para combater a discriminação e apoiar os doentes de HIV e as suas famílias. Recentemente, descobrimos a sua paixão pela fotografia, que usa como terapia contra a solidão e a frustração de não conseguir resolver os problemas à velocidade que queria. Leonor, a filha que adoptou há seis anos, é o alvo predilecto da sua objectiva, de preferência nas paisagens exóticas de Marrocos, o seu destino favorito. A última surpresa foi a decisão de emagrecer através da colocação de uma banda gástrica e de uma educação alimentar. O resultado é tão intenso como as gargalhadas desta mulher: perdeu 77 quilos.

VIP – Li entrevistas suas em que fala de diversos assuntos, mas nunca a vi falar da sua infância. Como foi?
Margarida Martins – Muito feliz. O meu pai esteve preso várias vezes por razões políticas (era do Partido Comunista) e por isso havia problemas de dinheiro lá em casa, razão pela qual a minha irmã, mais velha quatro anos, foi viver com os meus tios. Eu fiquei com os meus pais em Lisboa e fui criada como filha única.

E agora tem também uma filha única. Foi uma opção?
Não. Se a vida me tivesse corrido como eu queria gostava de ter tido uma casa cheia de crianças. Foi sempre o meu sonho. A imagem que tenho de mim é a de mãe, nasci para ser mãe e para proteger… Na infância sempre fui uma criança maior do que as outras, mas tive amigos que me ajudaram a ser feliz como eu era. A maior parte eram gay. Eu vestia roupas diferentes, andava em ambientes diferentes, sempre fiz uma vida de café, reflexo de uma geração do Maio de 68. Por outro lado, tive acesso a duas educações muito diferentes: a dos meus pais, que eram pessoas simples – o meu pai era operário – e, no prédio ao lado, o pai de uma amiga minha que era ministro de Salazar. Vivi em dois mundos.

Como é que foi parar ao Frágil?
Eu casei-me e trabalhava como secretária numa empresa, ao mesmo tempo que ajudava o meu ex-marido no bar que ele tinha, o Zodíaco. Um dia, a Lia Gama, que frequentava o bar, levou-me ao Frágil e foi ela que me apresentou ao Manuel Reis. Mais tarde, já estava separada, acabei por aceitar e três noites por semana era porteira no Frágil.

Como é que a convenceram a posar nua para o convite do aniversário do Frágil?
Foi muito casual. O Manuel Reis queria fazer umas fotografias para a festa e teve essa ideia. A minha condição foi de que as fotos só saíam se eu gostasse. Eram seis da tarde, ele foi buscar tecidos e eu fui para casa maquilhar-me e às nove estávamos a fotografar. Até o fotógrafo foi apanhado desprevenido.

Essa foto marcou uma época…
Um dia estava numa sessão no cinema Éden com o Dr. Mário Soares e quando lhe fui apresentada ele disse: "Eu conheço-a, mas nua." Eu dei um grito "Nua?!?". Não esperava nada aquilo. O Dr. Mário Soares é uma pessoa que eu respeito e admiro e que me ajudou sempre muito na Abraço. A verdade é que muitas coisas aconteceram na minha vida porque eu passei pelo Frágil. Foi muito importante essa época.

Disse há pouco que sempre teve muitos amigos homossexuais. Porquê?
Foi com os meus amigos gay que mais aprendi em termos de gostar mais de mim e respeitar-me, sendo gorda e diferente, e até de aprender a ser hostil se as pessoas me tratam mal. Foram muito importantes para mim numa época em que as mulheres eram magríssimas. Ao contrário da maior parte das mulheres da minha época, eu nunca deixei de fazer nada por ser gorda e procurei sempre expor-me.

Então porque é que decidiu fazer essa transformação, colocar banda gástrica e emagrecer 77 quilos?
É uma questão de saúde. Tinha muitas dores nas pernas e nos joelhos. Perdi o prazer em andar, em dançar…

Julgo que essa decisão terá a ver com garantir que está cá para a Leonor, a filha de 11 anos adoptada há oito. Como é que aconteceu?
Foi por acaso. Conheci-a na Misericórdia com dois anos e três meses e comecei à procura de uma família por ela não ter ninguém. Até ao dia em que a Leonor me chamou mãe. Foi quando eu percebi que podia dar-lhe uma família.

Foi ela que a escolheu?
Foi ela que me escolheu e passados dois dias de ela me chamar mãe eu meti os papéis para a adopção. Aliás, hoje em dia a Leonor tem uma família muito alargada e foi sempre ela que escolheu. Escolheu a avó, a tia, o pai… Se eu viajar, se eu sair, ela tem sempre uma pessoa de família perto.

Além da Leonor tem uma "filha" mais velha: a Abraço, que faz agora 18 anos, criada para apoiar os doentes de SIDA.
Na altura assustou-me o que não se sabia sobre a doença e a morte de um amigo meu, o João Carlos, que era manequim. Começámos com o objectivo de criar melhores condições para os doentes do Hospital Egas Moniz e hoje em dia a Abraço é já uma associação nacional, que dá trabalho a 100 pessoas no Porto, Madeira, Setúbal e com ligações aos países de língua portuguesa.
Que balanço é que faz do conhecimento que as pessoas têm da doença ao fim destes anos?
Acho que o País continua a pecar na área da prevenção. Apesar do trabalho de campo que tem sido feito, a informação no terreno ainda é curta. A nível de terapias e de apoios é que há uma grande diferença. As mães e os pais seropositivos fazem tratamentos, os nascimentos são de cesarianas e as crianças já não nascem infectadas. O pior é a prevenção.

A educação sexual nas escolas é importante?
Muito importante. O problema é que não há pessoas para a fazerem. É necessário formar jovens para darem formação, até porque eles conseguem ter uma linguagem mais adequada. Não é na Internet que eles vão procurar essa informação; na Internet procuram as redes sociais, etc. Esta informação tem de estar muito acessível por outros meios nas escolas, nas associações de jovens, nas câmaras municipais.

Os números oficiais dizem que há 31 mil casos de seropositividade em Portugal.
Eu acho que há muito mais. E apesar de tudo o que se sabe e de tudo o que se diz há ainda muita gente a infectar-se hoje em dia. Muitos por inconsciência, muitas mulheres a infectarem-se por via dos maridos, que têm outras vidas e há muitas pessoas de idade a infectarem-se devido às novas terapêuticas relacionadas com a potência sexual.

Como é que uma mulher casada há anos se defende de ser contagiada pelo marido?
Não se defende. Nós temos é que ensinar os maridos a prevenirem-se. Não quer dizer que as mulheres não tenham casos extraconjugais, mas não é na mesma quantidade. Eu não tenho de moralizar ninguém nem dizer que não tenham relações extra-conjugais. A única coisa que eu digo às pessoas é que devem prevenir-se nessas relações. É muito difícil para uma mulher casada há muitos anos, mesmo que suspeite de que o marido tem relações fora do casamento, obrigá-lo a usar preservativo. Até porque muitas vezes o poder económico é dele. A nossa luta é para que as pessoas defendam o núcleo familiar e se previnam. Muitas vezes as pessoas passam seis ou sete anos sem saber que estão infectadas até aparecer uma infecção oportunista. A única solução é ter relações protegidas, o que é fácil hoje em dia.

Com que idade é que aconselha os pais a começarem a incluir preservativos na lista de compras do supermercado para porem nas gavetas dos filhos?
Aconselho a começar muito cedo a explicar o que é o preservativo. Hoje em dia nós começamos até nos infantários. Acho que se deve explicar que é uma questão de higiene, como lavar os dentes. Os pais pensam todos que os miúdos só começam aos 15 anos, mas há muitos miúdos que começam mais cedo, até aos nove. A Leonor, por exemplo, sabe perfeitamente o que é um preservativo e para que é que serve. É uma questão de saúde.

Há 18 anos atrás a SIDA era tida como a doença dos homossexuais. Percorreu-se um longo caminho desde então. Qual é neste momento a principal preocupação da Abraço?
A prevenção e o tratamento. Que as pessoas tenham acesso a todo o tipo de tratamento, que tenham acesso à alimentação – o que nem sempre é fácil – a cuidados de saúde como dentista, cirurgias, que nem sempre é fácil…. Hoje em dia há a moda de só apoiar o que é inovador. Os projectos são de três anos e depois acabam. Gastam-se milhares de contos em projectos-piloto, mas há projectos que têm de ter continuidade, não podem acabar ao fim de três anos. Imagine-se um projecto de consultório dentário, em que aparece uma pessoa a precisar de 20 dentes. Se o projecto acaba quando deixa de ser inovador e a pessoa ainda não tem a boca arranjada não vai conseguir emprego, por exemplo. Os médicos são voluntários, mas os dentes postiços, por exemplo, têm custos e não podem ser suspensos. Às vezes dói-me um bocadinho ver que as pessoas acham que isto é tudo festas, quando há um trabalho por detrás que não é fácil manter, dirigir e para o qual não é fácil arranjar financiamento.

Mas o Estado ajuda em alguma coisa…
Temos apoios do Estado em alguns projectos, como as casas de acolhimento, porque são projectos que competem ao Estado, mas que são mais baratos se forem feitos por associações.

O que é que foi mais difícil neste processo?
Foi a morte das pessoas, no princípio. Foi a altura em que engordei mais. Parecia que as pessoas que conhecia iam morrer todas. Não sou médica, trabalho com o coração e não sabia gerir isso. Mas a verdade é que quem conseguiu ultrapassar essa fase está já vivo há 25 anos. A toma dos medicamentos não é fácil e a discriminação infelizmente ainda existe.

Quais os objectivos da Abraço?
Precisamos de 400 mil euros para a reconstrução da casa Ser Criança na Madeira, que vai apoiar 70 crianças, filhas de pais seropositivos e precisamos de financiamento para manter o nosso gabinete dentário, coordenado pelo professor António Mata. Em média, as pessoas que aparecem na Abraço têm menos 21 dentes do que os que deveriam ter. Sem dentes é difícil para as pessoas arranjarem trabalho e reconstruirem a sua vida e este é um projecto que está em risco por falta de financiamento.

Texto: Cristina Ferreira de Almeida; Fotos: Bruno Peres e D.R.

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