Ciomara Morais
“Não é bom estar parada”

Famosos

Em época de menos trabalho, a atriz aposta na realização e criou uma produtora

Sex, 08/02/2013 - 0:00

 Aos 28 anos Ciomara Morais está a viver uma boa fase da sua vida profissional. Numa altura de crise, criou a sua produtora e mesmo sem noção de realização já realizou a sua primeira curta-metragem. Assumidamente portadora de “um feitio tramado”, diz que se virou para o cinema, porque se cansou dos papéis de escrava, mulher das limpezas ou deportada que tinham para si em televisão.

VIP – Em 2012 ganhou dois prémios de Melhor Atriz, com o filme Por Aqui Tudo Bem: um no Festival de Cinema da Tunísia e outro Festival de Marrocos. Como se sentiu?
Ciomara Morais – Fiquei muito surpresa! O da Tunísia já chegou, é um diploma, mas ainda estou à espera do de Marrocos que ganhei juntamente com a Cheila Lima. Sei que ganhei, mas como ainda não recebi nada palpável, não tenho provas (risos), portanto é uma coisa consciente, mas ainda não sentida.

O mesmo filme foi premiado na categoria de Melhor Filme no Festival de Cinema de Los Angels e ainda foi distinguida no Festival Indie Lisboa 2012. Foi um ano em cheio.
É verdade, foi um ano em que aconteceram muitas coisas. E foi também um ano em que comecei a ter vontade de fazer coisas minhas, comecei a escrever, montei a minha produtora, realizei o meu primeiro filme.

O que a levou a criar a produtora Elavoko Entertainment?
Nesta altura ninguém tem trabalho e eu sempre gostei de escrever, portanto resolvi escrever qualquer coisa para cinema. Os meus amigos atores disseram que eu era maluca, mas estar parada não é bom. As pessoas desocupadas têm tempo para pensar e fazer disparates, por isso eu gosto de estar ocupada. Escrevi o meu primeiro guião, uma longa e depois fui ter com algumas produtoras, mas todas me disseram que com o dinheiro que ia arranjar não iam conseguir produzir. Então pensei montar a minha produtora (risos)! Mais uma vez os meus amigos disseram que era doida! Como não percebia nada de produção, nem de realização, tive aulas na Restart. Depois montei a produtora, juntei a equipa e fiz a primeira curta.

O Encontro Com o Criador. Como correu?
Foi complicado, porque éramos cinco pessoas a fazer o trabalho de 15 e eu tanto estava a falar com o meu assistente, como estava a produzir, a realizar e a representar. Foi um stress.

Quanto tempo demoraram a gravar?
Dois dias. Primeiro porque não tínhamos dinheiro e segundo, conseguimos os decors de graça e era essa a disponibilidade que tinham. Não tinha noção de que é tão complicado, mas ainda bem. Para mim, a falta de consciência e de conhecimento, foi uma mais-valia!
E agora que já sabe o trabalho que dá…

Já comecei a segunda (risos), mas agora mais elaborada, com mais atores, mais tempo… Esta já tenho um semana para gravar (risos).
Participou na segunda temporada de Maternidade. O que fez mais?
Gravei para Liberdade 21, mas tenho feito pouca coisa em televisão. Desde 2009 que tenho apostado mais em cinema, porque não é tão estereotipado. Não há dinheiro, os cachets são muito baixos, mas enquanto atriz que precisa, e quer crescer, é uma mais valia. Nos Morangos com Açúcar fui a estrangeira cabo-verdiana que veio para cá no programa Erasmus. No Equador fui escrava – aí fez todo o sentido porque era de época; no Liberdade 21 vim de África num navio negreiro, vou viver para as barracas, sou violada e apaixono-me por um rapaz branco. Em Maternidade sou uma guineense que trabalha nas limpezas e que tem o filho na zona dos detergentes do supermercado. Depois vou para a maternidade onde todos são muito bons para mim, portanto passo a vida a agradecer e a chorar. Tudo o que faço é a chorar. A ideia que se passa é que em Portugal não há famílias negras normais.

Sentiu necessidade de se descolar .
Sim! Senti necessidade de fazer outras coisas em que pudesse crescer. Televisão e teatro muitas coisas são estereotipadas, mas atenção sou ótima a chorar, é o habito (risos).

Já recusou papéis desses?
Sim. Sei que também não tenho um feitio fácil e talvez por isso também não me chamem mais, mas graças a Deus não passo fome, portanto não preciso aturar certas coisas. Há limites!

Quando começou, nos Morangos, tinha muitos sonhos?
Nunca ambicionei televisão ou moda, porque quando era miúda era gorda e feia. Portanto, quando cresces assim as tuas ambições são muito reais: ter um curso! Quando não estás dentro dos padrões de beleza, é bom que estudes para pagar as tuas contas. Comecei em moda e televisão por um acidente. Em moda porque estava a estudar e precisava de dinheiro…

Aí já não era “patinho feio”?
Não. Depois fiquei jeitosinha, com umas maminhas grandes. Fiquei engraçada, mas quando me diziam “és tão gira” eu achava que estavam a gozar. Nunca foi uma coisa que valorizasse.

Lida bem com a exposição do seu corpo?
Quando se justifica faz todo o sentido.

Mas há momentos constrangedores?
Há (risos)! O momento da cena do banho, no Equador, foi um deles. Foi gravado no Brasil e estava tão nervosa que nem sequer levei lentes – sou completamente cegueta – para não ver aquela gente à minha volta. E inventei montes de coisas, já ninguém me podia ouvir.

Fora dos personagens, quem é a Ciomara?
Sou um pouco bicho do mato. Agora menos, porque é uma coisa que já me mentalizei. Sou um bocado disléxica e faço terapia há anos para parecer uma pessoa normal.

Está a falar sério?
Sério! Sou muito reservada, não tenho necessidade de socializar, tenho os mesmos amigos há quase 30 anos, porque estão sempre em cima. Se dependesse de mim já tinha desaparecido há muito tempo. Sou amiga, leal, tenho um feitio assumidamente tramado, sou trabalhadora, gosto imenso da minha independência e sou ambiciosa no bom sentido. Ambiciono uma coisa, traço um plano e vou atrás do que quero.

Como é que uma pessoa antissocial como diz ser, tem um trabalho tão exposto?
Não sou eu. São as personagens.

Sim, mas é a Ciomara que anda na rua.
Sim e é aí que entra a terapia. Sou simpática porque aprendi a criar “muletas” invisíveis. Era capaz de ir a um jantar e, se não me identificasse com ninguém, não abria a boca. E o pior é que não me consigo sentir mal por ser assim. Tive de aprender a ser social, porque ser social não é conviver com pessoas; é estares com pessoas e não criares constrangimentos, que é uma coisa que eu não sabia fazer. A terapia tem-me ajudado muito, mas também tive de aprender que há certas coisas que sinto e penso que ninguém tem nada de saber. Sou livre das minhas escolhas, mas sou obrigada a lidar com as consequências.

Li numa entrevista que quando veio para Portugal estava sempre a perguntar ao seu pai quando voltavam para Angola. Agora que pode decidir nunca pensou regressar?
Neste momento estou dividida. Lá foi onde nasci, mas por outro lado vivo cá há 20 anos, o meu pai e os meus irmãos estão cá… Por isso, não posso dizer de ânimo leve que sim. Quem sabe daqui a uns anos me mude definitivamente para lá, vou envelhecer lá, mas nesta fase não e viável.

Sente-se em casa?
Quando se está tanto tempo num sítio e ainda assim te fazem sentir que não pertences, que não estás nem nunca estarás em casa….

Mas ainda sente isso?
Sim. Basta olhar para a televisão portuguesa; não há núcleos de famílias negras normais, quando meteram um jornalista negro os portugueses mandavam-lhe bananas. Ainda há muita segregação. Não digo que os portugueses sejam racistas, mas são preconceituosos. Portugal é um país fantástico porque acolhe toda a gente, mas depois não deixa ninguém integrar-se. É difícil falar-se em criar laços quando nos estão constantemente a mandar para a nossa terra. Digo sempre, graças a Deus que não nasci cá, porque a maior parte dos meus primos que cá nasceram têm problemas de identidade sérios. Porque nasces cá e passam a vida a mandar-te para a tua terra só porque tens um pigmento diferente e na realidade conhecem só África no mapa. Eu tive professoras, cá, que me diziam que se tivesse o nono ano era muito bom porque já há patrões que querem empregados com carta de condução para ir buscar os filhos delas à escola…

É um sentimento demasiado enraizado…
Muito ainda! Há quatro anos nasceu um miúdo na minha família. A mãe é branca o pai é negro. A família da mãe foi vê-lo ao hospital e disseram “coitadinho, não se safou”… não é deficiente, não é feio, não tem problemas de saúde, mas é preto! Isto é triste. Muitos dos meus amigos negros que nasceram cá não se sentem portugueses e até têm dinheiro que podiam investir, mas não o fazem. Isto acontece porque não há integração, não permitem que as minorias se desenvolvam e façam parte da sociedade.

Teve de fazer muitos sacrifícios para alcançar o que queria?
Acho que não são sacrifícios. Há pessoas que nem podem sair da cama. Se eu tenho saúde, tenho força, porque não vou trabalhar? A minha irmã mais velha trabalhava nas limpezas e quando eu estava a tirar o curso, precisava de dinheiro e fui com ela. Durante nove anos fui empregada de bar, fiz baby-sitting… Fiz uma série de coisas e no final do dia, tu és o resultado das tuas experiências. Aqui as pessoas têm muito medo de fazer coisas, medo do que os outros vão pensar. Não vale a pensa estar a lamentar-me que o telefone não toca. Se estivesse acamada… agora com saúde? Deus me perdoe, mas odeio coitadinhos! Não se pode estar a vida inteira à espera que caia do céu. Essa coisa do “és jovem vais tirar o teu curso e depois vais para o teu emprego” faz com que não saibas fazer nada, não sabes cozinha, não sabes lavar, passar a ferro, fazer uma cama em condições. Eu trabalhei na Zara e foi ótimo, porque tenho sempre o meu guarda-roupa organizado. Sei exatamente onde esta o quê… Aos 15 anos disse aos meu pais que queria uns ténis de uma marca, ele disse-me que éramos muitos e que não eram uma prioridade. Liguei para uma tia minha e fui trabalhar com ela (risos). Se fizessem mais isto aos filhos, não havia tantos “parasitas”. Conheço pessoas que estão seis, sete anos a fazer um curso de três. Somos dez irmãos e o meu pai criou-nos a todos para sermos independentes, para nos desenvencilharmos. Não há trabalho na minha área, vou fazer outra coisa. Para mim é uma mais-valia ter feito todos os trabalhos que fiz.

Tem namorado?
Tenho. Somos muito diferentes e isso é bom. Ele é empresário, agente desportivo. É uma relação estável, mas com altos e baixos. Uma relação que não os tenha está morta. É uma pessoa que me faz bem.

Continua a querer ter três filhos?
Sim e depois queremos adotar. Senão também viro parideira nacional (risos).

Mais planos para este ano?
Ter mais trabalho noutras áreas e se não tiver procuro (risos). De braços cruzados não fico. Se sabes o caminho para a discoteca, também tens de saber para ir trabalhar. Quero ter mais trabalho, quero voltar a fazer televisão, quero voltar a fazer teatro; a última vez que fiz foi em 2010, quero realizar os projetos da minha produtora, quero que a minha primeira curta seja aceite em muitos festivais (risos) Mais… Quero continuar a ter saúde, quero continuar a ter amor. Acho que não posso pedir muito, porque tenho tudo o que é realmente importante e que me faz acordar com um sorriso.

Texto: Carla Simone Costa; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybeline e L’Oréal Professionnel; Cabelos: Bruno Vicente

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