Rui Luís Brás
“Não acredito nada nos atores seguros”

Famosos

Ator admite a vontade de ter mais tempo para si e a “sede” de trabalhos estimulantes

Qui, 19/04/2012 - 23:00

Aos 44 anos, e depois de mais de duas décadas de profissão, Rui Luís Brás estreia-se na direção de atores, em Doce Tentação, na TVI. Um novo desfio que vem juntar-se a uma larga experiência como encenador, mas que o ator descreve como mais um passo na sua aprendizagem enquanto ator e, sobretudo, enquanto ser humano. Incapaz de recusar uma proposta estimulante, lamenta não ter tempo para “viver” e deseja abrandar, mas sempre que quer parar, ”valores mais altos se levantam”.

VIP – Como está a correr esta estreia na direção de atores?
Rui Luís Brás
– Dirijo atores há muito tempo no teatro, mas em televisão só o tinha feito um dia, de forma informal, e achei muito giro. Na primeira semana foi assustador, mas é um enorme prazer, apesar de trabalhar 12 horas por dia.

Percebeu a razão da escolha?
Acho que tenho o respeito dos mais velhos e dos mais novos, sinto que ninguém me põe em causa. É uma responsabilidade gigante, mas tenho trabalho feito, disseram-me que fui consensual.

Como é o ambiente entre os atores?
São pessoas com egos diferentes e personalidades diferentes, mas, felizmente, tem corrido muito bem. Também estou aqui como psicólogo, para ouvir desabafos, mas felizmente não tem havido e tem sido uma mais-valia. A Mariana Monteiro e a Sofia Ribeiro dão-se lindamente, nunca vi a mais pequena trica entre elas.

Acha que este caminho é quase obrigatório para um ator com 15, 20, 30 anos de carreira?
Não necessariamente. Tenho colegas que têm horror a este lado. Como ator, gosto de ser dirigido, acho que é um alicerce que dá segurança, que permite extrair o máximo da personagem. Se gostava de realizar? Sim, mas não tenho essa pretensão por agora. Tenho medo do ridículo. Gosto de fazer as coisas quando sinto que estou minimamente preparado para as cumprir e para não ser um desastre.

Essa insegurança faz parte de qualquer ator?
Se quiser ser fidedigno, noto que, regra geral, disfarçada de uma forma ou de outra, são muito inseguros e eu reconheço­–me nisso porque sou igual. Acho que a humildade de servir a personagem é fundamental, porque, se não, é o teu ego que prevalece e não o da personagem. Não acredito nada nos atores seguros.

Com isto não sobra muito tempo…
Sobra, tem de sobrar. Tenho três peças a caminho, dou formação no Pequeno Palco de Lisboa, tenho estreia de Marias ao Poder, na Guilherme Cossoul, de O Meu Pé de Laranja Lima e de D’Eça.

Como consegue fazer tudo?
É complicado, porque não consigo deixar de fazer algumas coisas. De dar formação, por exemplo, porque também aprendo com eles…

Vive muito intensamente aquilo que acontece aos seus atores…
Vivo muito intensamente porque me está no sangue. Define-me, sou oito ou oitenta. Às vezes, pergunto-me se é preciso dar tanto de mim, podia fazer as coisas mais tecnicamente. Tento fazer um misto para me proteger, porque quando tenho personagens com alguma densidade, posso sair de um período de gravações sem conseguir falar; chego a casa muito em baixo. Quando estava  a gravar Resistirei, chegava a casa desfeito. Sabia que era com a personagem, mas são as nossas emoções, o nosso corpinho, e, portanto, o nosso biorritmo é alterado como se o tivesse vivido. Quando estou responsável pelos outros vibro muito; se assisto a uma estreia dos meus atores parece que estou a assistir ao parto de três mulheres minhas ao mesmo tempo.

Quando dá formação, reconhece imediatamente um “diamante em bruto”?
É uma pergunta que já fiz muitas vezes a mim próprio, porque muitas vezes me enganei. No início, por exemplo, acho que alguém tem qualquer coisa, crio expectativas, e, com o desenrolar do curso, se calhar aquela pessoa muito tímida, com dificuldade em expressar-se, de repente sai da sua bolha e consegue ultrapassar­-se. Há um clique e percebes que, afinal, é o melhor ator que está ali. O diamante estava tão em bruto que não o consegui ver. Acho que o ator precisa de fermentação, de vida, de despir-se de preconceitos. Mas, às vezes, passa-se tanto tempo a trabalhar que não sobra tempo para ir para o mundo.

Não tem quaisquer preconceitos?
Tenho alguns, confesso. Com pessoas muito petulantes, com pessoas que falam “à betinho”, com americanos. Mas tento vencer isso todos os dias.

É irmão de Peter Michael, também ele ator. Têm uma relação muito próxima?
Sim, desde sempre. Não nos vemos com a periodicidade que gostava, mas falamos bastante, aconselho-me com ele frequentemente. Os meus pais vivem a 30 quilómetros e têm uma cadelinha linda, que só vi em fotografia porque não tenho tempo de ir a casa deles. Tenho vergonha de dizer há quanto tempo não vou ao cinema…

Não apetece parar ou não consegue?
Consigo, mas não consigo dizer não. Aliás, digo muitas vezes que não, mas  surgem muitas coisas que teria pena de não fazer. E depois há aquela coisa que é a honra – se te comprometes com as pessoas, depois não podes voltar atrás.

Há dois anos teve uma ameaça de AVC. Isso não é uma luz vermelha para parar?
Foi um susto, mas é o exemplo do que acabo de dizer. Aconteceu aí no quarto dia como protagonista da novela, o que é que podia fazer? É um alerta e há coisas que consigo mudar: pratico exercício, faço pilates – antes estava completamente sedentário –, tenho cuidado com a alimentação, evito beber. Não tenho prazer em sair e ficar alterado, já foi tempo disso…

É viciado em trabalho?
Acho que tem mais a ver com o facto de querer tanto fazer que junto tudo. É muito mais interessante fazer uma peça do que estar em casa a ver televisão e às vezes prescindo da minha pessoal. É mais fácil quando se tem uma vida regrada, acaba por ser muito difícil arranjar horários para fazer coisas que gosto. Há tanto tempo que digo que vou tirar o brevete, a carta de marinheiro, fazer parapente. O tempo vai passando, qualquer dia estou num asilo e não fiz nada do que queria, mas imagino que somos todos assim.

Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Paula Alveno

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