Ana Santos
A mulher que venceu dois tipos de cancro

Famosos

Uma força da natureza, um exemplo para todos

Qui, 06/11/2014 - 0:00

"O cancro não é uma fatalidade. É uma palavra”. Ana Santos, de 46 anos, já ouviu esta palavra por duas vezes. A primeira, há nove anos, quando descobriu um caroço numa mama. A segunda, há pouquíssimos meses, quando lhe apareceu um alto na clavícula. A sua vida mudou? Sim. Mas não há pessoa que a conheça ou tenha passado com ela alguns minutos, que ouse dizer que mudou para pior.

Comecemos pelo cancro da mama. O primeiro. O menos grave. Foi em novembro de 2005 que o caroço apareceu. Naqueles meses seguintes, todos desvalorizavam. Só em março, depois de uma biópsia, teve o diagnóstico correto. Foi tudo muito rápido. Em 15 dias, estava tratado. Fez radioterapia, mas fisicamente ficou na mesma. Foi operada em abril e, em junho, estava a dar aulas.

Ana Santos é professora no Liceu Francês Charles Lepierre. Também dá aulas de Zumba. “Não estava doente, não me sentia cansada. Nunca pensei que ia morrer. As minhas filhas eram pequenas e marquei as sessões para as dez da noite, para já estarem a dormir quando saísse de casa. Só mais tarde souberam que a mãe teve um cancro da mama”, conta. Passemos então para o tal alto perto da clavícula. O que no início era apenas uma inflamação tornou-se uma metástase na coluna. Nome pomposo que significa, trocado por miúdos, a formação de um novo tumor a partir de outro, mas sem ligação. Este, mais perigoso, por ser ósseo. “Pensamos logo que se vai espalhar pelo corpo todo, mas não fiquei muito assustada. Pensei que quem consegue uma vez, consegue duas”, explica.

Avançou para a quimioterapia. Mas antes, quis passar uns dias em Cabo Verde. Fez a biópsia e, dois dias depois, lá estava a aproveitar uns dias de sol. Toda cortada, como diz, e cheia de pontos. Só que contraiu Hepatite A. “Esta doença, só por si, não é grave, mas para quem faz quimioterapia é horrível. Aí é que pensei que ia morrer”, admite. Ficou cinco dias de cama. Perdeu sete quilos. Viveu momentos horríveis. Mas sempre com a perfeita noção de que manter-se positiva e de cabeça fria era importante. “Não devemos pensar que vamos morrer. É apenas uma doença e vamos tentar curá-la. Mesmo podendo não haver uma cura, temos de pensar que é possível e ter esperança”.

Como lidar com a cabeça rapada
Pouco antes de iniciar a quimioterapia, no último mês de março, Ana Santos decidiu logo rapar a cabeça. Na escola, avisou os alunos de que se iria ausentar. Nas aulas de Zumba, lá se iam os movimentos onde o cabelo ganhava papel de destaque. Mas não custou nada. Mesmo nada. Quando chegou a casa, as filhas ainda apanharam um pequeno susto. Também por isso, comprou uma peruca e uns lenços. Um ato de prevenção que valeu pouco. Deu uso à peruca umas três vezes e, aos lenços, poucas mais. Não valia a pena esconder uma coisa que era natural. “Estou sem cabelo? E aí? Há tanta gente careca. E comecei a andar sempre com a cabeça destapada. As pessoas diziam que até ficava bem e deixei andar”, afirma.

Na rua, deparava-se com várias reações. Aqueles que a olham como uma coitadinha, os outros que consideram que é apenas uma destemida de cabeça rapada e, por último, os que veem uma pessoa corajosa. Um misto que acaba por lhe dar muita força. “Quando sentimos que nos olham como coitadinhas é difícil superar. Se nos disserem coisas bonitas, é muito melhor”. Ana Santos admite que começou a ver a vida de maneira diferente. Começou a sair mais de casa, a beber café com as amigas, a ir a sunsets, espetáculos, exposições. E porquê? Porque a obrigava a sair, a arranjar-se, a pintar-se. O facto de saber que tinha um compromisso fazia com que não relaxasse. “Quando acordo de manhã, não me sinto nada bonita. Mas com um pouco de maquilhagem, tudo se resolve. Disfarça tudo. É importante saber lidar com o exterior e com as pessoas. É preciso assumir tudo. Claro que é complicado. Perdi cabelo, pestanas, sobrancelhas e fiquei com a cara pálida. Não é fácil olhar-me ao espelho todas as manhãs, sentir-me uma tartaruga, um E.T.. É complicado aceitar esta cara. Mas não tenho sobrancelhas? Faço-as. Pestanas? Ponho falsas”, explica.

As abordagens dos homens… e das mulheres
Desde que começou esta sua segunda luta, Ana Santos tem aproveitado o Facebook para divulgar o seu caso, trocar experiências, falar com pessoas, ajudá-las, desmistificar a palavra “cancro”. “Pensam que cancro é sinónimo de morrer. Não é. Comecei a mostrar que podemos ser bonitas sem cabelo. Muitas pessoas começaram a adicionar-me, a falar comigo e a maior parte com tumores. Diziam que eu era um incentivo”. Sem dar por isso, chegou aos cinco mil amigos no Facebook. Em abril, tinha só 800. Um fenómeno, sem dúvida. Para isso, também contribuiu o facto de responder a muitas das mensagens. Também já foi assediada. Confessa que quando começam com conversas “chatas” só há uma maneira de tratar o assunto: bloquear. Só fala com quem tem conversas boas.

Também quando sai à noite, depara-se com algumas abordagens. Normalmente, ficam-se pelos olhares. Considera que esse ritual é um elogio. Faz parte da terapia. O marido não tem ciúmes. Se ela estiver bem, ele também está. Já enquanto anda pelas ruas, são as mulheres que a abordam com maior frequência. Sempre de forma carinhosa. Dizem que a admiram pela coragem de andar com a careca destapada, que a acham lindíssima. E essas atitudes também são muito importantes. Palavras que aumentam a autoestima e lhe dão força para vencer.

Esta luta tem sido também um trampolim para conhecer novas pessoas. Uma força que tem sido um catalisador para novos projetos. Uma coisa puxa a outra e já foi convidada para dar uma palestra sobre cancro numa faculdade. Fez ainda um videoclipe para o projeto Darko – liderado por Zé Manel, ex-vocalista dos Fingertips – onde o objetivo foi denunciar o bullying. Já tinha alguma experiência nesta área. Curiosamente, surgiu na luta que travou contra o primeiro cancro. Estava mais magrinha. Um amigo foi receber dinheiro de um trabalho a uma agência e o diretor convidou-a logo. Fez anúncios de televisão e figuração numas novelas. Agora, até se vê a aceitar um novo desafio, mas tem uma condição: “colocar a mulher em destaque e mostrar que pode ser bela, mesmo sem cabelo. A mensagem podia ser: não vamos morrer e podemos ser belas”.

Texto: Humberto Simões; Fotos: Bruno Peres e DR; Produção: Zita Lopes;
Maquilhagem: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel

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