Maria Elisa
“Fui crucificada viva”

Nacional

Maria Elisa fala do passado na RTP e na política. A ex-jornalista revela, aos 65 anos, a única pergunta que talvez nunca tenha coragem de fazer

Sáb, 04/07/2015 - 16:45

Construiu uma carreira na televisão portuguesa, num tempo em que as mulheres tinham pouco espaço no jornalismo. Sentiu-se pressionada a sair e, aos 65 anos, Maria Elisa Domingues lança o livro Confissões de uma mulher madura – Como enfrentar a idade sem medo, mais um “livro jornalístico” depois de Amar e Cuidar, que escreveu quando acompanhou a mãe na sua luta pelo cancro. Casada com o advogado norte-americano Sanford Hartman, não sabe o que o futuro lhe reserva mas sabe que quer envelhecer com qualidade e que tem muito para concretizar. Não se imagina a escrever ficção apesar de o seu irmão achar que devia, mas garante que tem muitos projetos e que quer escrever as suas memórias enquanto “testemunho de uma mulher que abriu caminho no jornalismo televisivo”.
 

VIP – Lança este livro quase no dia do seu 65º aniversário, a dita idade de reforma. É uma mensagem de que essa não é o “fim” de nada?

Maria Elisa Domingues – Foi uma coincidência, porque me atrasei na entrega do livro, mas se calhar estas coisas não acontecem por acaso e é isso mesmo: as pessoas mais velhas são absolutamente válidas e poderiam ser aproveitadas a muitos níveis, no mundo do trabalho, e também a nível amoroso e sexual vão muito a tempo de redescobrir ou descobrir o amor.
 

Voltando um bocadinho atrás, e porque é também por aí que começa no livro, quando estava no segundo ano de Medicina e no conservatório, o que a levou a fazer o teste para locução que determinaria o seu percurso?

Necessidade, só. Todos os dias olhava para os jornais à procura de emprego. Tinha 19 anos, tinha acabado de casar, ainda não tinha carta e não sabia escrever à máquina, que era o que mais pediam.

Portanto quando vi aquele anúncio para a RTP pensei “aí está finalmente algo que posso fazer”.
 

É jornalista por acaso?

Não. Há uma altura em que começo a fazer trabalhos jornalísticos porque na altura os realizadores requisitavam o locutor e começaram a requisitar-me sempre para dois magazines de literatura e de cinema. E tomei-lhe o gosto. Depois fiquei grávida, vou para casa ter o meu filho e um mês depois acontece a revolução. Chamaram-me logo para ir cobrir o 1º de Maio, que é já um trabalho de responsabilidade, inteiramente como jornalista, e a seguir puseram-me logo na direção de informação. Comecei a pensar que queria aprender a fazer, não só ir fazendo como achava melhor, e foi quando decidi ir estudar para fora. Passados uns meses, os militares de abril abrem um concurso para levar jornalistas a estudar na melhor escola de jornalismo de Paris e lá fui.
 

Custou-lhe deixar a família para trás?

O meu bebé, custou-me horrores, ainda hoje penso nisso. Tinha seis meses. São decisões que nunca sabemos se são as certas. Na altura falei com psicólogos infantis e acabei por ir. Tentava vir cá uma vez por mês…
 

Esse período transformou-a?

Transformou-me muito do ponto de vista profissional. Aprendi muito. Depois quando regressei comecei logo a apresentar o Telejornal. Foram-me dados trabalhos de mais responsabilidade. Essa fase foi feliz. Depois regresso a França e talvez essa experiência me tenha transformado mais a nível pessoal. Éramos um grupo pequeno, de variadíssimas nacionalidades, viajei muito nos nove países da Europa de então. Deu-me as bases para ser a jornalista que fui.
 

Esteve ligada à RTP durante décadas. Foi uma relação de altos e baixos?

Foi. Com muito bons altos e muito maus baixos. Faço um balanço super positivo da minha carreira como jornalista, conheci pessoas excecionais: a Benazir Bhutto, entrevistei a Margareth Thatcher duas vezes, o Mitterand, isso é que para mim são privilégios. Os momentos maus acho que foram sempre por questões políticas, às vezes não percebi porquê. Devo ter-me atravessado no caminho de alguém.
 

Mesmo agora, olhando para trás?

Há coisas para as quais não tenho resposta ainda. Para a maior parte tenho.
 

A incursão na política foi um erro?

Para a minha carreira como jornalista foi fatal, fui crucificada viva. Por isso é que logo que surgiu o convite para ir como conselheira cultural para Londres fui, porque aqui vivia numa tortura.
 

Apoiou pessoas de sensibilidade políticas diferentes. Acha que foi mal interpretada?

Como se houvesse uma grande distância entre o PS e o PSD! Acho que fui mal interpretada, mas acho que foi sobretudo estratégico da parte de determinadas pessoas que queriam ocupar o meu espaço. Acho que foi tudo completamente orquestrado para me liquidar como jornalista.
 

Há três anos negociou a sua saída da RTP. Foi doloroso?

Foi, porque não era o que eu queria. Senti-me compelida a sair porque não me davam trabalho. E quem fez isso foi esperto, porque qualquer pessoa que me conhece um bocadinho sabe que eu não consigo estar sem fazer nada.

 

Leia a entrevista completa na edição número 937 da VIP

 

Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Bruno Peres; Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem e Cabelos: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel

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