Victor Hugo Cardinali
Fala da polémica com os leões brancos

Famosos

“Fico feliz por saber que o circo não vai morrer”

Sex, 13/12/2013 - 0:00

Recorda os espetáculos no circo do pai quando, ainda criança, o preconceito sobre estas tribos de artistas nómadas lhe fez perceber que queria dar ao circo o estatuto e o brilho que ele merece. “Eu nasci no circo e, quando chegava às vilas, ouvia muito ‘coitados’. Marcou-me muito. Então, lutei, lutei, até conseguir ter um circo de nível europeu”, recorda Victor Hugo Cardinali, que, aos 57 anos, é dono de um dos principais circos portugueses, mas é, antes de mais, domador.

“Desde o trapezista, ao homem que cospe fogo, aos palhaços, ao equilibrista, ao malabarista, o que mais me fascinava era o domador, e realizei o meu sonho. Eu não sou empresário, sou domador. Ser empresário veio por acréscimo, quando criei o meu circo, mas a minha paixão é ser domador”, diz o homem que põe, literalmente, a cabeça na boca do leão durante o espetáculo que, até dia 5 de janeiro, está no Parque das Nações, em Lisboa. Habituado a “conviver com as associações de defesa dos animais”, alega que, sem os animais, “perdia-se a magia do circo” e que os animais são felizes.

“Se estiverem doentes, uma hora depois têm aqui um veterinário, comem a horas, descansam a horas. Reconheço, vivem em cativeiro, mas com todas as condições. Claro que teriam mais liberdade se vivessem na selva, mas também não tinham comida garantida todos os dias. E todos os animais que temos aqui nasceram em cativeiro”, defende.

Por amar tanto os animais, fica revoltado quando sente que estão a impedi-lo de mostrar a sua arte. O que aconteceu quando, na semana passada, a GNR lhe apreendeu os leões brancos, não os deixando fazer parte do espetáculo por, alegadamente, não estarem registados ao abrigo do CITES (Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção), algo que o empresário nega. “Têm documentos que permitem que circulem em qualquer parte do Mundo”, garante, realçando que, no ano passado, se reuniu com o secretário de Estado da Agricultura para saber como seria o procedimento para serem registados em Portugal.

“A GNR olha para estes documentos internacionais há dois anos, em todas as terras por onde passamos. Agora, no Natal, que é quando se fala do circo, é que se lembram de fazer isto”, diz, realçando que não concebe o espetáculo sem leões, mesmo que tenha de ser com os que há muito fazem parte da equipa.

“A cara do circo é o Victor Hugo, o domador, com os seus leões, e eu vou aparecer com os leões.” Principalmente porque é a altura de Natal que permite aguentar o resto do ano e ficar algum tempo em Lisboa, o quartel-general da família. “O maior prazer de qualquer família é este, andarmos juntos. Quando um dia tiver que ir embora para longe, sei que ficam os filhos e os netos a cuidar daquilo que construí”, diz. A seu lado está a mulher, Alda Neves Pereira.

“Pertenço ao circo Mariana. Comecei a trabalhar no trapézio com sete anos, fiz vários números, tenho muitas saudades. Na altura, sentia lá em cima o mesmo que sentia cá em baixo: uma estabilidade tremenda. Agora, noto que não via o perigo, os números de altura têm muito que se diga e eu trabalhava sem rede”, recorda a artista, que se apaixonou aos 25 anos pelo domador que conhecia desde sempre. “Quando nos conhecemos, fizemos digressões noutro circo e depois começámos a montar o nosso. Começou pequenino, trabalhámos muito. Quando olho para o que conseguimos construir, fico muito orgulhosa. Ele investe tudo no circo! Eu gosto muito de circo, mas ele gosta ainda mais. E aqui estamos, fomos pais, fomos avós e vamos morrer no circo.”

Nasceu a primeira filha, Iolanda, e depois o filho, que herdou o nome. Na segunda gravidez, a trapezista decidiu começar a pisar terra firme e é agora responsável por grande parte da logística da estrutura, nomeadamente a bilheteira. “Sempre trabalhei em família, casei no circo, já não saberia viver de outra forma”, afirma, realçando: “Gosto de pensar que os meus netos vão crescer aqui. Eles decidirão se querem estudar, como aconteceu aos nossos filhos, que optaram pelo circo.”

Três décadas depois, o casal admite que as personalidades fortes, mas algo introvertidas, são motivo para altos e baixos, ultrapassados com paixão. “Foi no circo que conheci a minha mulher, apaixonei-me, somos casados quase há 30 anos. Acho que só temos uma paixão uma vez na vida. Podemos gostar de muitas mulheres, de muitas pessoas, mas foi ela que eu escolhi para ser mãe dos meus filhos”, diz Victor Hugo, que brinca: “Há dias em que ela gostava é que os leões me comessem! Mas acho que está tão habituada a ver-me que vai estranhar quando eu deixar de poder trabalhar.”

Outra opinião tem a mulher, que evita ver o homem que escolheu abraçar o animal mais selvagem de todos. “Eu raramente o vejo a trabalhar. Já vi duas ou três vezes coisas graves, portanto, vou só espreitar e depois vou embora. Prefiro voltar as costas. Com o meu filho é igual.”

É que, afinal, a vida humana torna-se frágil entre as grades. “O instinto animal ultrapassa a nossa relação. Tenho um leão que me deixa abraçá-lo, posso abraçá-lo durante dez anos, e ao fim de dez anos, ele pode atacar-me. Nascem em cativeiro, mas são animais selvagens. O instinto está-lhes no sangue, tenho muito respeito”, diz o domador, que já apanhou vários sustos e foi mordido em mais do que uma ocasião.

“O último susto que apanhei foi em Coimbra. Estavam dois a espicaçar-se e, quando fui tentar separá-los, viraram-se os dois contra mim”, recorda. Mesmo assim, sabe que lhe vai custar muito deixar de entrar na pista.

“As forças não duram sempre. Já pensei muitas vezes nisso, e de certeza que vai ser um dos dias mais tristes da minha vida. Mas ando-me a preparar há muito tempo para, quando tiver que ser, não me custar tanto. Aos 57, já tenho idade para ter juízo! Mas é como o fado, , até que a voz me doa e até que o corpo consinta, eu vou lá dentro.” Nessa dia, Alda estará à sua espera. “Espero que ainda tarde a chegar esse momento, mas vai ser o Victor Hugo quem vai dar a sentença final. Os meus filhos são capazes de levar isto avante”, garante.

Quando esse dia chegar, os filhos, Iolanda e Victor Hugo, herdarão “o nome, que é mais importante que as tendas, mais valioso que tudo”, diz o empresário, que preferia que o filho não enveredasse pelo seu caminho. “Sinto que o meu filho vai prolongar o meu legado, mas não há necessidade que ele se meta com os leões, Não queria que ele corresse os riscos que eu corri. Valeu a pena correr tanto risco para almejar criar o circo que sonhei e dá-me muito gozo olhar e ver que todos eles gostam disto. Fico feliz por saber que o circo não vai morrer quando eu morrer.” Mãe de Sandro e Enzo, Iolanda decidiu ficar durante esta temporada na produção, apesar de ter saudades de estar na pista e de se encontrar a preparar um número de magia, algo que já fez com o marido.

“Entrava num truque de magia com um barrigão, quando estava grávida. Os meus filhos gostam muito, gostava que eles continuassem este legado do avô, mas eles é que vão escolher”, diz. Já o irmão recorda o primeiro número em que participou, com elefantes, aos oito anos.

“Foi muito marcante.” Ainda acalentou o sonho de ser jogador de futebol, mas a tradição familiar falou mais alto. Afinal, passou a infância a calcorrear Portugal, descobrindo uma nova vida em cada paragem. “De tanto andar sempre na estrada, quando ficamos parados algum tempo começamos a avariar. Faz bem ficar parado, de vez em quando, mas não muito tempo”, afirma. Para além do nome, Victor Hugo herdou também do pai a paixão pelos animais.

“Experimentei vários números, comecei com os cavalos, agora os elefantes, os camelos… tento perceber como funcionam. Dizem que tenho o dom de trabalhar com os animais.” Será que conseguirá cumprir o desejo do pai e não trabalhar com leões? “Isso é um problema. Eu quero trabalhar com os animais e não quero chegar a velho sem, pelo menos, tentar trabalhar com os leões. Vou tentar com os leões, um dia.”

Pelos vistos, também isso corre no sangue daquele que, no futuro, ficará com o legado de Victor Hugo Cardinali nas mãos.

Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: José Manuel Marques; Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem e cabelos: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel

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