Isaltino Morais
“Conheci a fome, a depressão e a solidão”

Nacional

Faz relatos inéditos dos 429 dias detido por fraude fiscal

Seg, 15/06/2015 - 14:26

O antigo presidente da Câmara Municipal de Oeiras decidiu pôr em papel tudo o que viveu durante os 429 dias em que esteve preso na Carregueira, após a sua condenação por fraude fiscal e branqueamento de capitais. No livro A Minha Prisão, Isaltino Morais reproduz o diário que foi escrevendo na cela, com relatos inéditos do que passou e onde conheceu “a depressão, a fome e a solidão”. Entre várias referências aos erros do processo que o condenou, à falta de condições da cadeia e palavras de agradecimento a quem o apoiou, o que mais se destaca são as constantes referências ao sofrimento que viveu por se ver privado do contacto com a família, sobretudo com o filho mais novo, Afonso, de 11 anos, que muitas vezes o levou ao choro descontrolado. Respeitado pelos outros reclusos, que o tratavam por “presidente”, não conteve a revolta ao assistir à morte de um deles por falta de assistência médica. “Estou numa casa de terror. Sempre que há uma ocorrência durante a noite, o recluso morre”, escreve, ele que tem problemas de hipertensão e sempre temeu ficar doente na cela.

Nos corredores e no pátio da prisão, o ex-autarca fez amigos improváveis e cruzou-se diversas vezes com Vale e Azevedo ou Carlos Cruz. “Encontrei o Carlos Cruz, cumprimentei-o, estava de barba com alguns dias. Pareceu-me moralmente abatido (…) no pátio dei algumas voltas com o Vale e Azevedo. Conversámos sobre os processos (…).” Sujeito a revistas todo nu nas rusgas, recorda uma delas: “Mandaram-nos sair a todos para o corredor, para entrarmos de seguida, um a um, para revista com desnudamento completo e posterior agachamento para verificar se algo estaria escondido no ânus.” Obrigado a lidar com todo o tipo de constrangimentos, fez questão de manter a cela sempre impecavelmente limpa, mesmo quando a greve dos guardas prisionais impedia que tivesse detergentes ou uma esfregona. “Continuo a limpar o chão com roupa interior.” Com tremendas dificuldades em dormir, habituou-se a cansar ao máximo o corpo com infindáveis voltas ao pátio ou no interior da pequena cela. Ao fim de 137 dias atrás das grades, e “cansado da comida do refeitório”, mudou para comida vegetariana. Ao longo da sua detenção, contou sempre com o amor da mulher, Patrícia, com quem, porém, recusou sempre visitas íntimas, e explica: ”Nunca entendi o ato sexual isolado. Talvez por romantismo, sempre entendi e vivi o sexo como um momento de amor. Estar uma vez por mês com a minha mulher numa sala, para satisfação sexual, dava-me uma sensação de compra de sexo. Não queria sujeitar a minha mulher a essa posição de objeto.“

  
  Texto: Ana Gomes Oliveira; Fotos: Impala 

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