Carlos Cruz
CARLOS CRUZ lança livro sobre o processo que diz ter-lhe roubado a vida

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“Não me conheço tão bem para dizer que vou aguentar firme”
Prestes a completar 70 anos, Carlos Cruz não desiste de tentar provar a sua inocência no processo Casa Pia, no qual foi condenado em primeira instância a sete anos de prisão. Inocente para Além de Qualquer Dúvida reúne “as provas nunca divulgadas”.

Sex, 20/01/2012 - 0:00

 Prestes a completar 70 anos, Carlos Cruz não desiste de tentar provar a sua inocência no processo Casa Pia, no qual foi condenado em primeira instância a sete anos de prisão. Inocente para Além de Qualquer Dúvida reúne “as provas nunca divulgadas”. Suportando-se no grande amor que tem pelas filhas, Marta, de 25 anos, e Mariana, de nove, fala abertamente da sua nova condição de solteiro, após a separação de Raquel Rocheta, e da forma como poderá um dia voltar a amar.

VIP – Em março fará 70 anos. Sente-se mais jovem ou envelhecido?
Carlos Cruz – Mais jovem, mas acho que houve uma paragem no tempo. A minha entrega ao processo Casa Pia foi tão forte que não tive tempo para envelhecer.

O que é que deixou de fazer que considere realmente importante na sua vida?
Não pude acompanhar o crescimento da minha filha Mariana. Ela percebe que o pai não é uma pessoa normal, não por ser figura pública, mas porque sabe que existe o processo Casa Pia. Passei a ser um funcionário full time do processo, passando horas entre o computador, dossiês, papéis, documentos…

Ainda hoje vive rodeado dessas papeladas?
Ainda hoje. Há muita coisa para descobrir… Mas retomando, eu perdi isso tudo. Às tantas, vivia casado com o processo. Também tenho pena de ter perdido profissionalmente a oportunidade de um fim de carreira com um projeto sólido, que estava alinhavado na minha cabeça. E isso não consegui.

Esta dedicação em provar a sua inocência não acabou por se transformar numa obsessão um pouco doentia?
Não. Se fosse uma coisa doentia, fazia uma série de asneiras e tudo o que tenho feito tem uma lógica. Acho é que se tornou numa missão. Este processo tem de ser estudado nos mais variados aspectos. Por muito grave que seja a crise que estamos a viver, não sairemos dela se não conseguirmos viver numa sociedade com bases muito sólidas e isso é impossível sem uma verdadeira Justiça. A nossa Justiça está doente. É nesse sentido, o de esclarecer, que eu publico este livro. É uma obra sem ódios…

Sem ódios, mas com muita ironia…
Sim, alguma. Porque há comportamentos que são irracionais. Há cenas neste julgamento dignas de um filme de Woody Allen.

Mas qual é, de facto, a dimensão desta missão? Dedica-se a ela 24 horas?
É uma forma exagerada de dizer. Durmo sete a oito horas por dia…

Dorme bem?
Muito bem. Não tenho pesadelos.

E durante o dia atira-se aos papéis, é isso?
A minha ocupação intelectual é o processo Casa Pia, mas vou jantar a casa de amigos, vou a restaurantes…

E, portanto, insiste em provar a sua inocência, pelo menos perante a opinião pública.
Será sempre isso. Este livro, se for lido com distanciamento e sem preconceitos, só poderá levar a uma conclusão: sou inocente. Isso é prova na Justiça? Não será. É prova na opinião pública? Pode ser.

E isso é mais importante para si?
Interessa-me muito mais o que os portugueses pensam do que o que os juízes pensam. Tenho uma dívida de gratidão com o público que passa por dizer-lhe sempre a verdade. Mas quero saber porque é que isto me aconteceu (aliás, há uma faixa silenciosa da opinião pública que me contacta com informações, pessoas em lugares muito importantes). E isso sim, é quase uma obsessão: descobrir porquê e quem.

E está perto?
Neste momento tenho uma teoria, mas não me arrisco a expô-la publicamente porque não tenho documentos.

E os “pensadores” dessa teoria conseguiram o que queriam?
Não, porque entretanto houve alterações políticas.

De todo o processo, qual é a prova da verdade que considera irrefutável?
Acusam-me de estar em Elvas aos sábados e eu provei que não podia estar nesses dias. No último dia de julgamento alteram o sábado para um dia da semana qualquer do último trimestre de 1999.

Isto quer dizer o quê? Ao fim de nove anos e quatro meses de julgamento mudam o dia da semana? Depois dizia-se que havia orgias em Elvas, no fim resumiu-se a um ato sexual?

Sobre essa parte da acusação, volta a recorrer à ironia e escreve: “Estranho libido, o meu!”
Obviamente. Tem alguma lógica um ser humano fazer 400 quilómetros de ida e volta para um ato de sexo oral… então não há sexo oral em Lisboa, aí ao pontapé?

Termina o livro dando conta de situações idênticas à sua no estrangeiro e de como essas pessoas têm vivências dramáticas, “suicídios incluídos”. Nalguma fase deste processo pensou em pôr fim à vida?
Em teoria, acho que a ideia do suicídio poderia chegar. Mas dificilmente o concretizaria. Não por mim, porque acho que já vivi o que tenho a viver, mas pela minha família. Tenho as minhas filhas. E isso seria um trauma muito grande para elas…

Como gere o desespero?
Vou buscar energia à minha inocência e à necessidade de evitar que outros casos se repitam. Mas não sei os limites da minha resistência. Não me conheço tão bem para poder dizer que vou aguentar firme. Para já tenho aguentado, às vezes até com algum sentido de humor.

Aliás, foi com humor que, no aniversário de João Malheiro, explicou que não tinha levado presente porque não tinha dinheiro. Tem ideia de quanto já gastou com este processo?
Não, não.

Mas não esconde as suas dificuldades financeiras.
Não. Vou vendendo o que posso, nomeadamente quadros, que ainda tenho alguns. Também não está fácil… Não tenho vergonha em ser pobre e nunca tive orgulho em ser rico. Estou com um orçamento de guerra.

Dedica este livro às suas filhas. Este processo fez de si um melhor pai?
Não. Sempre fui um bom pai e, portanto, não posso melhorar.

E como está a Mariana?
É uma criança muito bem estruturada ao nível dos afetos, mas precocemente crescida. Gostaria que se tivesse mantido menina durante mais uns tempos. Criou uma carapaça defensiva que, em determinados momentos, a torna muito introvertida. Quando isto acabar, espero que haja uma reciclagem na cabeça dela.

Porque diz isso?
Tenho medo que desenvolva nela o espírito de revolta e de vingança e que arraste isso pela vida fora. E eu, como saio deste processo como uma pessoa muito mais tolerante, não quero que ela siga essa via.

E como tem sido a sua vida de solteiro?
Houve, para já, uma mudança na cozinha…

O Carlos Cruz cozinha?
Poucas coisas… umas aventuras tipo “Indiana Jones à procura do prato perdido”.

Como faz então?
Vou buscar comida pronta, encomendo alguma por telefone… Faço um bom bife.

Manda vir pizzas?
Sim, para a Mariana principalmente. Mas há aí estabelecimentos com comida pronta, compro, congelo… Quando estou mesmo sozinho, sem a Mariana, como uma refeição por dia. E passo bem.

E em termos emocionais como está?
Estou bem. A minha separação é uma separação lógica e amigável. Por muito que tenham tentado que disséssemos mal um do outro, não conseguiram.

E sente-se capaz de voltar a amar e partilhar a sua vida com outra mulher, se é que já não tem?
Não tenho, não tenho… Essas coisas acontecem espontaneamente. Não rejeito sentir um afeto especial por alguém, mas não ando à procura.

Mas acredita que pode voltar a acontecer?
Não rejeito a hipótese. Se isso me acontecer, serei mais racional, verei se vale a pena nesta idade, nesta situação, com a vida que eu tenho. Depois, tenho algumas amigas que me fazem companhia… que… não… é um tema que não me preocupa, percebe? Mas seria mais cuidadoso, até porque tenho uma filha que é extremamente possessiva em relação ao pai (risos). Isso sim, acho que me iria dar muito trabalho.

Entretanto, a sua filha Marta namora com o Madjer. Interfere muito nesta área do coração?
Não muito, gosto de estar informado. Estou atento no sentido em que quero que ela seja feliz.

Já conhece o Madjer?
Sim, conheci-o este Natal. Tenho muita consideração por ele, não vou dizer que sou muito amigo, mas senti uma… amizade. É um homem muito bem estruturado e a Marta está numa fase da sua vida em que precisa de alguém que a ajude a dar o salto para aterrar no mar da tranquilidade.

A Mariana ainda é muito nova para essas coisas dos namoricos?
(Suspiro)

Assusta-o mais com ela, não é?
Sim. É o conflito de gerações. Leva-me a ter mais preocupações com ela do que com a Marta, que já é uma mulher feita.

Quanto ao anunciado regresso à televisão, para o House TV, um canal de cabo. Como está esse projeto?
Existe um convite, que eu aceitei, mas não há data marcada, não há canal, ainda está em fase de preparação. Se não acontecerem coisas que me impeçam, sim, é um projeto que vejo com entusiasmo.

Texto: Ana Gomes Oliveira; Fotos: Paulo Lopes

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