Mário Augusto
“Aprendi com as estrelas a não me levar muito a sério”

Famosos

Mário Augusto é o jornalista português que melhor conhece os atores e realizadores de Hollywood

Sex, 02/03/2012 - 0:00

 Há 26 anos a falar de cinema na televisão, continua a apresentar um magazine de divulgação cinematográfica, o mais antigo programa do género e prepara, para a RTP Informação, um talk-show, no qual, entre muitas outras coisas, também se vai falar de cinema. O jornalista português mais associado ao universo de Hollywood revelou-nos os projetos profissionais para 2012 e falou abertamente sobre a família e a lição de vida que tem recebido da filha, portadora de paralisia cerebral.

VIP – Está em curso a segunda edição da Academia da RTP. É um trabalho que lhe dá um especial prazer?
Mário Augusto – Dinamizar projetos inovadores foi uma das razões que pesou na decisão do meu regresso à RTP, 18 anos depois de ter saído para fundar a SIC no Porto. A Academia foi um desses projetos. Integrei a pequena equipa que, muito apoiada pelo presidente Guilherme Costa, desenhou o primeiro esboço do que viria a ser a Academia RTP. Gosto muito desta experiência que, entre outras coisas, permite dinamizar mais a produção a partir do Porto, proporcionando a cerca de uma centena de jovens a possibilidade de revelar os seus talento e criatividade, dando “sangue novo” ao serviço público de televisão.

Continua também com a coordenação e apresentação do programa Janela Indiscreta, sobre cinema. Tem mais projetos para 2012?
Estou a preparar a adaptação de uma série de documentários dos americanos da TCM sobre a história de Hollywood e o cinema. É uma série que vi nos EUA e sugeri que fosse adquirida para celebrar o centenário de Hollywood na RTP Informação. Acho que vai ser um momento de programação notável para este canal. Estou também a preparar um programa novo, um talk-show semanal, com música, cinema e conversa genuína, diferente do habitual. Será produzido na RTP Porto.

O cinema está sempre presente em tudo o que faz?
Faça o que fizer em televisão, tenho sempre de ir ao encontro do cinema. Sempre fiz produção, documentários, apresentação… Acho que sou um pouco refém da imagem que fui construindo ao longo de 26 anos, porque a paixão que tenho por cinema é a mesma que tinha quando comecei e marcou toda a minha vida profissional.

Qual é a sensação de estar cara a cara com as maiores estrelas e os astros do cinema mundial?
Algumas das estrelas conhecem-me, por termos conversado muitas vezes, mas daí a poder ir lá casa… Tenho de ser honesto, não é bem assim. É um relacionamento breve e profissional.

Ainda se encanta ou deslumbra quando está frente a frente com alguma das estrelas?
Sinceramente, não. Vou para as entrevistas com curiosidade, não estou ali a fazer pose com um Inglês de Oxford. Eles é que são as estrelas. Há alguns atores e realizadores que ainda me provocam algum fascínio pela sua enorme generosidade e saber como seres humanos.Aprimorei com o tempo e com as verdadeiras estrelas uma regra que nunca esqueço: Enfrentar as situações com seriedade simples, mas sem nunca me levar muito a sério.

Sente o assédio do público?
Não, porque não faço parte do grupo de estrelas: Não sou a Catarina Furtado, nem o Malato ou o Jorge Gabriel. É mais normal pedirem conselhos acerca do que devem ver do que elogiar a minha boa forma ou o meu penteado (risos). Apesar dos meus cabelos brancos, ainda me olham como “aquele rapazito dos filmes”, que entra lá em casa há muitos anos sem pedir licença.

De volta ao cinema, há alguém nesse fascinante meio que o tenha marcado?
Sim, alguns. A Meryl Streep, por exemplo. É fantástica pelo seu sentido de profissionalismo, pela paixão que revela em tudo o que faz e também por não se levar muito a sério. Falar com ela é como falar com a vizinha do prédio onde moramos. Também a Jodie Foster, que é da minha idade e, sempre que nos cruzamos, pergunta-me pela família, pelos meus filhos. Isto revela uma grande simplicidade e comprova que não está a fazer um frete para ser simpática, que é genuína. Acho que já conversamos umas seis ou sete vezes.

E a família? Tem tido tempo para ver os filhos crescerem?
Dentro do possível, sim. Pelo menos tenho dado o meu melhor. O mais velho, o Francisco, terá sido o que mais sofreu com algum distanciamento. Os primeiros dez anos da SIC foram muito envolventes, muito importantes na minha carreira. As faltas que o Francisco me marcou na caderneta de pai sempre foram compensadas pela minha mulher, a Paula. Acho que ele sempre compreendeu a situação e é um rapaz pragmático, nada complicado. Também foi o mais mimado. Levei-o muitas vezes comigo para as entrevistas. Existe entre nós uma cumplicidade de bons amigos. É parecido comigo no carácter.

Mas são três filhos…
É verdade, mas aos mais novos já os pude acompanhar de outra forma diferente, especialmente a Rita que, por sofrer de paralisia cerebral, obrigou sempre a uma atenção mais apurada. Por ela, reorganizámos toda a vida familiar.

Que idade têm eles?
O Francisco, de 20 anos, está de partida para o programa Erasmus, na Holanda. A Rita tem 12 anos, anda no 6.º ano, é muito inteligente e divertida, uma aluna empenhada. Depois o Rodrigo, que vai fazer dez anos. É aquele que vai pôr-me os cabelos ainda mais brancos (risos). É muito comunicativo e bem-disposto e também o melhor companheiro que tenho para o cinema: discute comigo os filmes que vemos juntos. Contudo, o mais importante de tudo é que tive sempre na Paula uma retaguarda atenta, muito envolvida no problema da Rita, ao ponto de ter abandonado um emprego estável pela família.

Teve necessidade de fazer alguma aprendizagem específica para lidar com uma filha “especial”?
Não diria necessidade. Acho que ela é que nos foi ensinando a lidar com o problema. Devido às necessidades que tem, foi criando desafios novos para os pais. Não foi fácil, não é fácil ouvir dizer que a nossa filha, de seis meses, sofre de paralisia cerebral. Ficamos perplexos naquele momento, com uma sensação de que a notícia podia ser um cheque em branco para o futuro. Porém, revelou-se um desafio enriquecedor da maneira como se vê o mundo. Na verdade o problema da Rita é relativamente pequeno em comparação com outros que fomos conhecendo, esses, sim, dramáticos.

Como assim?
Aprendemos a relativizar as coisas, é uma luta constante e sem tréguas. Cada conquista é sempre uma grande vitória. Não é explicável para quem não passa por isso. A família unida e em diálogo permanente torna-se um pilar, ajuda a ultrapassar barreiras, é uma força essencial e inevitável nestas circunstâncias. Acho que, acima de tudo, devemos promover valores e manter a alegria de viver com desafios constantes.

Família e valores… É esse o segredo?
Vivemos numa sociedade padronizada e competitiva, mas há muitas formas de encontrar o nosso lugar no mundo, independentemente de sermos ou não diferentes. A Rita é um bocadinho diferente, não tem marcha autónoma e só consegue andar com a ajuda de aparelhos, uns quadripés ou uma cadeira de rodas, mas é uma adolescente muito descomplexada, muito bem-disposta. Isso é meio caminho andado para se sentir integrada por onde vai passando, sempre com os olhares focados nela e na deficiência. Já está vacinada contra a falta de sensibilidade de muitos com quem se cruza. É duro, mas com um sorriso lá se ultrapassam as crises.

Foi por isso que fundaram uma associação de apoio a crianças com paralisia cerebral,
O Sorriso da Rita?
Foi uma ideia que surgiu da publicação dos livros que escrevi sobre cinema e que atribui os direitos integrais para apoiar essas crianças com quem nos fomos cruzando nos centros de paralisia cerebral. A associação surgiu da ideia da minha mulher e de outras mães que sofrem com a falta de sensibilidade e de apoio aos filhos portadores de paralisia cerebral. O mérito é todo das mães que, com trabalho voluntário, têm movido montanhas para procurar ajudas, que vão desde apoio técnico a bolsas para alunos de mestrado. Confesso que participo, mas pouco. São elas que dinamizam a associação, que tem como regra não beneficiar os nossos filhos.

Para finalizar com cinema, alguma vez poderá acontecer a atribuição de um Oscar a um filme português?
Não é fácil. O nosso mercado não tem influência nem investe no lobby. Antes de mais, deveríamos investir mais na internacionalização do nosso cinema, em mais produção e mais público. Deposito muitas expectativas no Salavisa: agora o Urso de Ouro em Berlim, depois de Cannes. Haja determinação e criatividade…

Texto: Teixeira Lopes; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Marco António; Maquilhagem e cabelos: Ana Coelho, com Produtos Maybelline e L'Oréal Professionel

Siga a Revista VIP no Instagram