Durão Barroso
Aos Europeus, digo “Façam o amor, não a guerra”

Famosos

Presidente da Comissão Europeia recebeu-nos na sua casa de Bruxelas, com a sua mulher, Maria Margarida de Sousa Uva

Sex, 04/01/2013 - 0:00

 As más-línguas apelidam-no de “Sr. Ninguém”. É-lhe completamente indiferente. Certo é que, quando se entra em sua casa, a sensação é mais de entrar em casa do Sr. Toda-a-gente. Filho de um monárquico e de uma anarquista, José Manuel Durão Barroso vive numa casa de burguês modesta, sem luxos supérfluos. Certo dia, a mulher pediu ao bibliófilo que escolhesse entre ela e os livros, empilhados pelos cantos da casa. “Felizmente, não concretizou a ameaça”, confessa. Vivem juntos há 32 anos. Licenciada em Literatura Inglesa, Maria Margarida de Sousa Uva acompanhou o marido durante os 12 anos em que foi membro do governo, nomeadamente como primeiro-ministro. Depois foi atrás dele para Bruxelas, onde preside a Comissão Europeia há oito anos. Aventurar-se-á num terceiro mandato em 2014? Notícia atual: a entrega do Prémio Nobel da Paz à Europa.

VIP – Porque foi o Nobel da Paz atribuído à União Europeia em 2012? É verdade que os três dirigentes da Europa lutaram para saber quem iria a Oslo receber o prémio?
José Manuel Durão Barroso – Isso é falso. Concordámos de imediato que deveríamos ir recebê-lo juntos. Ou seja, os presidentes das três instituições da Europa: Herman Van Rompuy do Conselho Europeu, Martin Schulz do Parlamento e eu da Comissão. Isto reflete também a diversidade da Europa. Somos uma união de nações livres e não um Superestado. Este prémio proclama o fantástico projeto de paz, democracia e liberdade que é a União Europeia há 60 anos, que reconciliou nações que eram outrora inimigas.

O que tem a dizer aos que argumentam que o prémio não é merecido? Ou que é ilegal?
Respeito todas as opiniões… mas eles estão errados. Que alguém me mostre outro projeto na história da humanidade que tenha sido capaz de estabelecer e consolidar a paz durante tanto tempo, entre tantos países diferentes! Em termos de cooperação internacional, transnacional ou até mesmo supranacional nunca nenhum processo foi tão longe em termos de partilha de soberania. Romain Gary disse: “O patriotismo é o amor aos seus, o nacionalismo é o ódio aos outros.” Noutras partes do Mundo, assistimos à excitação dos nacionalismos, enquanto na Europa temos conseguido criar uma zona de paz e de liberdade.

David Cameron não foi a Oslo e a questão da adesão do Reino Unido volta frequentemente para cima da mesa. A União Europeia é assim tão indissolúvel?
Até agora, nenhum membro deixou a Europa. Pelo contrário, muitos tentaram entrar. Passámos de seis para, muito em breve, 28 membros com a chegada da Croácia. E muitos batem à nossa porta. Mas somos uma associação livre de nações livres, e cada país deve decidir se quer permanecer.

Os eurocéticos anunciam continuamente a explosão da Europa. Considera-os belicistas?
Estão redondamente enganados. Há quatro anos que trabalho em modo “crise” durante o dia e às vezes durante noite na “sala das máquinas” que é a comissão. Não fecho os olhos às dificuldades. Mas as forças de integração na Europa são muito mais fortes que as forças de desintegração. Os analistas financeiros subestimam esse facto.

Nunca temeu, durante estes cinco anos de crise financeira, uma explosão da zona euro?
Estivemos muito perto do precipício em várias ocasiões. Nessas alturas fiz apelos dramáticos, em privado, a alguns dirigentes. Disse algumas vezes a Angela Merkel, que conheço bem: “Olha, é o momento para tu e a Alemanha mostrarem o vosso compromisso com a Europa.” Fi-lo no início da crise, e na altura do plano para a Grécia, porque considerava que devíamos fazer tudo para evitar a queda do país. A chanceler ouviu-me sempre. E constato que, no final, acabou sempre por dizer que sim, bem como o Bundestag. Também tive medo em 2010, no dia que o primeiro-ministro irlandês me chamou para me comunicar o risco de colapso de seu sistema bancário. Tomei consciência do risco sistémico de contaminação de uma bancarrota. Presto aqui homenagem ao voluntarismo de Nicolas Sarkozy, que desempenhou nesse momento um papel decisivo.

Ouvindo-o, parece que a Comissão tem sido a salvadora da Europa?
Não há dúvidas que desempenhou um papel fundamental no resgate da Europa, especialmente na situação da Grécia. Sem a comissão, ter-nos-íamos deparado com uma catástrofe financeira. É óbvio que os Estados estão em primeiro plano porque mobilizam bilhões de euros. Mas, nos bastidores, o nosso papel, frequentemente difícil, é de conseguir um consenso entre todos.

Considera injustas as críticas que o descrevem como um “homem do consenso” frouxo à frente de uma comissão que demora a reagir?
Aguentar os golpes com fair play faz parte do caderno de encargos da minha função. Ficaria mais preocupado se não recebesse críticas! Dito isto, a tendência dos Estados para nacionalizar os sucessos e europeizar as falhas preocupa-me. É injusto, política e intelectualmente.

O euro continua em perigo, nomeadamente com a crise italiana que se está a delinear?
Creio que não, embora seja muito cedo para dizer que a crise faz parte do passado. Ainda é necessário definir a união bancária, que é essencial. Sobretudo é muito importante que os Estados não diminuam o esforço sob o pretexto que a situação dos mercados esteja a melhorar. Quando falo com os maiores bancos ou com os analistas, as perguntas não são sobre défice ou dívidas. São políticas. Perguntam-me: “Acredita no empenhamento dos estados-membros, na determinação da Alemanha?“ A credibilidade de uma moeda assenta na solidez da sua construção política. É por isso importante para os investidores terem a certeza de que a Europa tem uma visão a longo prazo.
Lidou com o par franco-alemão sob três presidentes franceses, Chirac, Sarkozy e Hollande.

Encontrou diferenças?
Um dia terei umas páginas muito interessantes para escrever nas minhas memórias. A parceria franco-alemã está no ADN da Europa. E é deveras indispensável, mas não é suficiente. É necessário que o Presidente francês e a chanceler entendam isso. Todos os Estados europeus são iguais perante os tratados e às vezes esquecem isso. Assisti à evolução da relação entre Angela Merkel e Nicolas Sarkozy e depois entre Angela Merkel e François Hollande. Há, naturalmente, altos e baixos, mas estão condenados a entender-se. Pessoalmente, tive de ser o conciliador em divergências entre o Presidente francês e a chanceler. Lembro-me de uma cimeira de crise da zona euro, em Paris. Enquanto estavam na sala de maquilhagem, antes da conferência de Imprensa, eu implorei: “Por favor, façam o amor, não a guerra.” Acabaram por ficar mais relaxados.

O que é mais difícil no papel de presidente?
Um primeiro-ministro perguntou-me um dia quais devem ser as principais qualidades do presidente da Comissão. Eu respondi que, antes de mais, é necessária uma excelente forma física por causa do volume de trabalho e da quantidade de reuniões e de deslocações. Depois, é precisa uma boa resistência psicológica e emocional. Também é preciso paciência e uma determinação inabalável.

Finalmente, é preciso ter amor e paixão pela Europa. Jean Monnet, esse grande europeísta que me inspira, escreve nas suas memórias: “Não sou nem otimista nem pessimista, sou determinado.” Qual é o país que mais o fascina?
O meu, Portugal. No entanto, os modelos económico e social que mais admiro são os dos países escandinavos. Conseguiram o melhor equilíbrio do mundo entre a abertura económica e a coesão social.

Vai concorrer a um terceiro mandato em 2014?
Estou concentrado no meu mandato. Não faço ideia do que vou fazer em 2014.

Gostaria de ser o próximo Presidente de Portugal?
Como dizem no meu país: “O futuro a Deus pertence.”

Qual é o papel da sua mulher ao seu lado?
É ela que merece o Prémio Nobel… da paciência!

Texto: Elizabeth Chavelet e Anne Sophie Lechevallier/Paris Match/Contacto; Fotos: Esch Thierry/Scoop/Contacto

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