Cristina Ferreira E Manuel Luís Goucha
Acusados em tribunal

Famosos

Duas crianças deixaram de ser maltratadas graças ao programa

Sex, 27/12/2013 - 0:00

A equipa do programa matinal da TVI, Você na TV!, chegou em peso ao Tribunal de Oeiras para defender Manuel Luís Goucha e Cristina Ferreira. É que a dupla de apresentadores está a ser processada, bem como Luís Martins, um dos jornalistas da redação do programa, pelo facto de terem identificado, ainda que indiretamente, duas crianças que foram vítimas de abuso sexual, e por não terem encoberto a identificação dos pais.

Tudo aconteceu em 2010, quando a equipa de produção do programa recebeu a carta de uma mãe que contestava a decisão dos dois filhos terem sido retirados da sua guarda por uma Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, e colocados numa instituição de acolhimento do distrito de Santarém.

No entanto, quando a redação do programa, nomeadamente o jornalista Luís Martins, começou a investigação para preparar a matéria, rapidamente os profissionais da TVI se aperceberam que os filhos haviam sido retirados da família, que então residia em Salvaterra de Magos, devido a um historial de abusos, e que os pais perpetuavam os maus-tratos.

Decidiram avançar na mesma com o programa, mas de outra perspetiva, precisamente para alertar a sociedade para esta situação. Assim, na manhã de 18 de maio de 2010, Manuel Luís Goucha e Cristina Ferreira receberam em estúdio Maria José e João André, os pais das crianças, e outros familiares, para poderem comparar as diferentes versões sobre a história familiar.

Foram conduzindo a entrevista e ficaram visivelmente boquiabertos quando, em direto, esta mãe confessou que obrigava os dois filhos, Miguel e Dário (nomes fictícios), com nove e cinco anos, naquela altura, a praticar atos sexuais com ela. Enquanto Maria José confessava de ânimo leve e com pormenores sórdidos o crime que cometia contra os próprios filhos, e deixava todos os presentes desconfortáveis, incluindo Manuel Luís Goucha, esta mulher cometeu outro crime ao revelar em direto o nome das duas crianças que maltratava. E, segundo o Ministério Público, os apresentadores também, já que nada fizeram para ocultar a identidade dos pais e das crianças.

É que, ao abrigo da Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99), e segundo o primeiro ponto do artigo 90º, os órgãos de comunicação social não podem identificar nem transmitir elementos que facilitem o reconhecimento dos menores que vivem a situação relatada. Diz ainda o artigo que, se tal acontecer, os agentes incorrem na prática de crime de desobediência. Esta é a acusação que leva os apresentadores à justiça.

Na primeira sessão do julgamento, no passado dia 5 de novembro, Manuel Luís Goucha explicou como se processa um programa em direto, realçando que não fazia ideia que a identificação dos pais provocava, de forma indireta, a identificação dos menores envolvidos. Já Cristina Ferreira não usou o direito da palavra no banco dos réus. Nas sessões seguintes, foram ouvidas testemunhas de acusação e de defesa. No passado dia 11 de dezembro foram ouvidas por videoconferência, do lado da acusação, a tia e a avó paternas das crianças, que inicialmente denunciaram a situação.

Em tribunal, a avó acabou por revelar que os pais das crianças, até então em paradeiro desconhecido, estão neste momento a residir com ela, o que permitirá notificá-los para que respondam perante a Justiça. Já a tia dos meninos recordou que o jornalista se deslocou várias vezes a sua casa, mas que esteve com os apresentadores pela primeira vez no dia do programa. De seguida, Luís Cunha Velho explicou ao juiz que “não são os apresentadores quem decide o teor das histórias” e que qualquer decisão para ocultar a identidade dos convidados caberia ao editor.

O diretor-geral da TVI realçou ainda que, mesmo que os apresentadores não gostassem do rumo que estava a tomar a entrevista dos convidados, nunca poderiam interromper a emissão, até porque “sendo aquele o conteúdo da última parte, não haveria qualquer possibilidade de arranjar um conteúdo alternativo para dar continuidade ao programa”.

A audiência prosseguiu com os testemunhos dos editores do programa, Miguel Barros e Paula Ramos, que convergiram no sentido de que os apresentadores são informados, habitualmente na véspera, da temática do programa e que recebem uma sinopse com o alinhamento e a lista dos convidados, mas que as entrevistas são improvisadas e que veem as reportagens pela primeira vez quando são emitidas em direto, ou seja, ao mesmo tempo que os telespectadores.

“Estavam salvaguardadas as situações habituais, não tínhamos as crianças em estúdio, não apareciam as crianças nas reportagens, não havia a imagem das caras delas, a situação da cara dos pais foi por completo desconhecimento nosso”, admitiu a editora, adiantando que chegou a tapar, na reportagem, os palavrões proferidos pela avó, mas não equacionou sequer tudo o resto. “Percebemos rapidamente que aquelas crianças estavam em risco. Chegámos facilmente à conclusão que os pais estavam a mentir e que fazia sentido as crianças terem- lhes sido retiradas, mas decidimos avançar com o programa, apesar do Manuel [Luís Goucha] se mostrar desconfortável por dar protagonismo àquelas pessoas”, recorda.

Certo é que o programa teve uma influência positiva na vida dos meninos. É que, em consequência das afirmações proferidas pela progenitora em direto, uma técnica da instituição onde estavam colocados veio denunciar a situação às entidades competentes e, fundamentada naquilo que foi dito naquela manhã de 18 de maio, a sentença determinou a inibição total do poder paternal. As crianças foram então encaminhadas para uma adoção internacional.

A VIP sabe que uma família da comunidade europeia decidiu acolher os irmãos, agora com 12 e oito anos. Apesar de não quererem comentar o caso, por ainda estar a decorrer na Justiça, a VIP sabe que os apresentadores estão satisfeitos por terem contribuído para salvar estas crianças de um futuro sombrio, independentemente de isso os ter levado a um novo encontro com a Justiça.

Na próxima audiência, continuarão a ser ouvidas testemunhas dos réus, nomeadamente o psicólogo Joaquim Quintino Aires, Manuel Rodrigues, inspetor chefe da Polícia Judiciária, mais elementos da equipa de produção do programa e ainda testemunhas abonatórias dos três arguidos.

Texto: Laura Santos, Luís Gamboa e Elizabete Agostinho; Fotos: Impala e Zito Colaço

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